31.12.10

anos e anos

vivo o último dia do ano que está para partir como gostaria de viver os dias do ano que está para chegar. tão importante quanto o celebrado dia de ano novo é, para mim, o (meu) dia de ano velho. neste dia da anual transição, gosto de pensar nas pessoas nas quais quero continuar a pensar para o ano; gosto de ver os amigos que quero continuar a ver, de fazer as pequenas coisas com que gosto de fazer a grande coisa que é vida de cada qual; gosto de ler, ou de ouvir, ou de vestir,  aquilo que quero continuar a ler, ouvir e vestir no ano seguinte.
não sou dos entusiasmados que à meia noite batem panelas para correr com o ano velho assim festejando a chegada do ano novo; pertenço ao grupo dos melancólicos que se despedem, com lágrimas e suspiros, do ano que termina. independentemente do que nele se passou, eu envolvo-me, e muito, com o ano que estou a viver - não quero, de um dia para o outro, ficar inteiramente sem ele.
é por isso tudo que gosto de olhar para a passagem de ano mais como uma lenta transformação - de um ano noutro - do que como uma súbita mudança - de um ano velho por um ano novo.

29.12.10

o anjo da história



A Klee painting named Angelus Novus shows an angel looking as though he is about to move away from something he is fixedly contemplating. His eyes are staring, his mouth is open, his wings are spread. This is how one pictures the angel of history. His face is turned toward the past. Where we perceive a chain of events, he sees one single catastrophe which keeps piling wreckage upon wreckage and hurls it in front of his feet. The angel would like to stay, awaken the dead, and make whole what has been smashed. But a storm is blowing from Paradise; it has got caught in his wings with such violence that the angel can no longer close them. The storm irresistibly propels him into the future to which his back is turned, while the pile of debris before him grows skyward. This storm is what we call progress.

Walter Benjamin



27.12.10

cosmopolita

é toda a pessoa cuja lealdade primeira vai para o mundo inteiro (e não para a região, ou para o país, onde por mero acaso lhe aconteceu nascer)

23.12.10

do olhar o mundo

abro os olhos abro-os muito largos. os olhos cada vez mais largos lagos largo-os húmidos e frescos como de uma chuva que sabe a orvalho. são já os olhos que se abrem só por si alastrando líquidos pela cara que me molham os cabelos. transbordam para o mundo sempre mais abertos o mundo lhes transbordando para dentro - olhos ao verem e mundo por serem vistos.

17.12.10

sunless


L 'éloignement des pays répare en quelque sorte la trop grande proximité des temps.
Jean Racine, Bajazet


Because I know that time is always time
And place is always and only place
And what is actual is actual only for one time
And only for one place.
T. S. Eliot, "Ash-Wednesday"

11.12.10

neste fim de semana que,

por razões invulgares, começou na sexta-feira, leio os diários íntimos do Baudelaire. de onde agora copio, aqui, letra a letra, algumas frases (textos sem os contextos, escolhidos por muitas e desvairadas razões)
le visage humain, que ’Ovide croyait façonné pour refléter les astres
(le) sommeil, aventure sinistre de tous les soirs
Sa poésie représente les heures heureuses.
je ne conçois guère (...) un type de Beauté où il n’y ait pas du Malheur
Je laisserai ces pages, parce que je veux dater ma colère. Tristesse
La femme est naturelle, c'est-à-dire abominable
Aussi est-elle toujours vulgaire, c'est-à-dire le contraire du Dandy
la création ne serait-elle pas la chute de Dieu?
Étude de la grande Maladie de l'horreur du Domicile
C'est par le loisir que j'ai, en partie, grandi

facebook

is softly killing glória do vulgar.
the truth is that fb is so much more gloriously vulgar than gloria itself.

7.12.10

é claro que

existo. e resisto: insisto sempre que desisto. posso até dizer, como o resto do mundo, que a minha vida costuma ser um misto. 

4.12.10

no meu bestiário

toma agora forma o cão - não o animal grande e repousado, repousante, dos meus sonhos, mas uma coisa pequena, agitada e mordedora. que não pára de me morder os dedos dos pés, debaixo da mesa onde janta, alargada (e aknowledged) a família.

2.12.10

facebook

passei a gostar do FB. longe vai o tempo em que me sentia a entrar na meia praia em agosto. o FB, sem eu saber bem como, passou a ser uma janelinha na qual me debruço, geralmente de manhã e à noite, a ver quem passa e a ouvir o que se vai dizendo na (minha) rua.
umas vezes meto-me na(s) conversa(s), outras finjo que não a(s) oiço. há quem se meta comigo, e eu dê troco divertida, e há quem se meta comigo e eu finja não ter ouvido. também há quem passe sem me cumprimentar.
mas, do FB, o que eu agora aprecio realmente é a oportunidade de conversar com a clara e o francisco. os diálogos começam geralmente por um "avoooooooooooooooooooooo" gritado de VB e ouvido distintamente em Lx. ao que se segue, do meu lado, um vocativo do género "Kaikas! tá aí?" ou "meu querido!, ou será querida?" (ontem a resposta imediata foi "querida").
e ontem era dia 1 de dezembro, feriado que expliquei pelo casamento do avô t. com a avó e. "a sério avó?". tão a sério. mas também falámos das dependências entre os reis portugueses e espanhóis e como a sorte, nesse jogo real, tinha calhado a um filipe de espanha.
confirmado o andamento na escola e o bem estar da minha most sweet room mate, não faço mais perguntas para não obrigar a minha neta clara a ficar ali parada, à minha janela, a conversar comigo. e, em menos  de nada oiço a sua voz a perguntar uma coisa a um vizinho, que eu não conheço, e, quase ao mesmo tempo, a responder a uma amiga cujo nome me é familiar.
não sabem o que dizem os que dizem que a internet nos fecha em nós próprios.

30.11.10

habitus linguístico(s)

habito com gosto as línguas que falo e leio. é exactamente por as habitar que posso dizer, sem escândalo, que sim, são minhas todas as línguas cuja sonoridade me fala, todas as línguas cujo código escrito faço falar. afinal, se nem a língua materna é nossa por que razão não hão-de ser nossas as línguas (em) que habitamos? 

numa aula de pós graduação

aluno: mas isso é comunismo...
professora: e então?
aluno: é marxismo... a teoria dele é marxista!
professora: sim... mas nós não somos marxistas ... todos?

finalmente

que bom, comecei as aulas. o mesmo quieto entusiasmo. 
o que irei aprender, este ano lectivo, com os meus novos alunos?
学生们你们好!

27.11.10

tal como certas camisolas

o dia a dia dos que fazem a sua vida, todos os dias, rapidamente fica cheio de borbotos.

cv

I choose no face to look at, choose no way
I just happen to be here, and it's ok.

não foi o cão

mas o leão. ainda sinto as suas garras, delicadamente recolhidas (para não me magoar o pescoço) quando salta de alegria, duas vezes o meu tamanho, patas imensas cobrindo-me os ombros como se fosse um xaile.
tão distinto como o veludo de vermelho na palidez da palha, uns gritos sufocados, o sangue, o sangue, toda a gente a olhar para mim... e agora, o que fazer?
era doméstico, afinal, o animal do sacrifício. talvez um cão. a surdez com que tudo se desenrolou diante dos meus olhos, mas escondido pela macieza da palha (e do veludo, alias akka, ou roots world how did it go?) o sangue, o sangue, toda a gente...
tens de fazer quaquer coisa, não é possível, pura e simplesmente, criar um leão, não é normal amar um leão, even for you, it might be dangerous. is it?

26.11.10

por contaminação

é como escrevo.

out of the courtroom

- togas ou tugas?
- do you mean 'por tugas'?
- no! por togas...

in the courtroom

a escrivã que vai transcrever o que (não) vai ouvir, em baixa voz: é favor levantar-se. levanto-me.
a advogada, cuja pessoa vai retirar parte da proa à proa do adversário advogado, sem voz: tire a boina. tiro a boina.
a juíza, a quem a advogada não voltará a tomar pela menina, redondinha, da secretaria do tribunal, em alta voz: a senhora pode sentar-se. sento-me.

17.11.10

o veado morto

depois de dez dias a viver num postal ilustrado, entro na cidade, com cuidado. para não fazer ladrar o cão.

14.11.10

awesome

a força de uma voz de mulher a pregar no templo cristão.

11.11.10

conversas no escuro

sobre a diferente longevidade entre as várias espécies animais, a noite passada. das curtas borboletas, passando pelos humanos medianos, até às compridas tartarugas.
- é verdade que uma tartaruga pode viver trezentos anos?
- acho que sim...
- eu adorava ser tartaruga e a avó?
- só se tivesse a certeza de ser sempre assim incondicionalmente amada por esta menina-bebé, não respondi eu.

3.11.10

não parece lógico

que estar vivo seja, acima de tudo, lutar contra a morte.* 
nem que haja, nas nossas vidas, tantos momentos em que estamos completamente mortos como aqueles em que estamos completamente vivos. isto apesar de, como li não seio onde e não sei quando, a maior parte do nosso tempo ser passada num estado intermédio, caracterizado por não estarmos completamente mortos nem completamente vivos.

* já ao contrário, a luta contra a vida, subjacente ao estar morto, me parece uma coisa menos esgotante

o manifesto ciborgue


de
donna
haraway

ler aqui


2.11.10

pontuação

ponto e vírgula, dois pontos, ponto de interrogação, ponto de exclamação... então e ponto de hesitação ... como marcar, na escrita, o modo que mais vezes está subjacente a qualquer afirmação, exclamação ou interrogação que possa fazer?

1.11.10

cerâmica

voltei a fazer um bule, coisa que fiz muitos há muitos anos. é bom retomar as velhas rotinas... nós vamos mudando, os bules não. *

* mini homenagem a um amigo

31.10.10

o vento de lisboa

ao atravessar a infante santo, debaixo do vento e da chuva, voa-me o chapéu da cabeça. em vez de, utilitariamente, lhe seguir o percurso com vista à sua possível recuperação, os meus olhos dirigem-se, imediata e automaticamente, para o grupo de pessoas paradas mais à frente, à porta de um café, na aflição de descobrir se se estão a rir de mim.

só depois procuro com os olhos o chapéu mas, vendo-o já a chegar ao passeio do outro lado da rua, decido, por medo do ridículo que seria correr atrás dele, continuar o meu caminho como se nada se tivesse passado, como se o chapéu não fosse meu. apenas para realizar, quase em simultâneo, que mais ridículo do que correr atrás de um chapéu, que nos voa da cabeça, há-de ser a imagem de alguém, a quem, depois de um chapéu lhe voar da cabeça, continua o seu imperturbável caminho sem dar o mais ligeiro sinal externo de que o chapéu lhe voou da cabeça. 

é nesse momento que os olhos dos jovens soldados e soldadas, que entretanto ficaram para trás, me queimam as costas sem piedade. mas resisto e não viro a cabeça na sua direcção. 

a aparecida

atrasada na elaboração dos sonhos, aproveito este dia do senhor para pensar as senhoras, de todos os tamanhos, feitios, origens e disposições, com as quais tenho convivido, malgré moi mas for my sake, todas as  noites desde que, há mais de uma semana a esta parte, encontrei essa outra parte, numa viagem, não sei se de ida e volta, manuseada por mapas estranhamente familiares, entre a vigília e o sono, de um progressivo levantamento, exacerbado pelo fechamento, até ao prolongado descimento a caminho de uma geografia próxima da anestesia.
estas as palavras ditadas pela senhora de corpo reduzido e cara grande, que, tal como as companheiras, entrava de gatas na sala cumprimentando me com voz triste. todas minhas conhecidas, embora umas mais do que as outras, todas reduzidas pela doença, a maioria movimentando-se a quatro, muito rentes ao chão, de si espalhando em redor um grande odor de sofrimento.

tou navegando mais frouxo

ainda
a
pensar
em
laerte
vi
esta
entre
vista

que pessoa TÃO engraçada!

28.10.10

para a júlia h.

- oh sr. arménio então sempre arranjou aqueles fechos a que os senhores chamam "trancas malucas"?
- não, eles acho que já não fazem essas "tranquetas doidas". também não sei porquê...

dia de sobra

ao fim da tarde passeio fresco a pé até à mini merceeria.
ainda há dois pães. agarro num, acho-o duro e volto a colocá-lo na cesta. pego no outro e não o acho melhor:
- é de hoje? está tão duro.
- é... nós só temos pão do dia.
- ai é ... e então o que é que fazem às sobras? devolvem?
- não podemos devolver... o que sobra damos ós pretos - explicou a rapariga fazendo um gesto largo que apontava para sul - ou é prás galinhas...

27.10.10

ítaca: a proposta de Cavafi

As you set out for Ithaka
hope the voyage is a long one,
full of adventure, full of discovery.
Laistrygonians and Cyclops,
angry Poseidon—don’t be afraid of them:
you’ll never find things like that on your way
as long as you keep your thoughts raised high,
as long as a rare excitement
stirs your spirit and your body.
Laistrygonians and Cyclops,
wild Poseidon—you won’t encounter them
unless you bring them along inside your soul,
unless your soul sets them up in front of you.

Hope the voyage is a long one.
May there be many a summer morning when,
with what pleasure, what joy,
you come into harbors seen for the first time;
may you stop at Phoenician trading stations
to buy fine things,
mother of pearl and coral, amber and ebony,
sensual perfume of every kind—
as many sensual perfumes as you can;
and may you visit many Egyptian cities
to gather stores of knowledge from their scholars.

Keep Ithaka always in your mind.
Arriving there is what you are destined for.
But do not hurry the journey at all.
Better if it lasts for years,
so you are old by the time you reach the island,
wealthy with all you have gained on the way,
not expecting Ithaka to make you rich.

Ithaka gave you the marvelous journey.
Without her you would not have set out.
She has nothing left to give you now.

And if you find her poor, Ithaka won’t have fooled you.
Wise as you will have become, so full of experience,
you will have understood by then what these Ithakas mean.

17.10.10

rememorando

pouco ou nada ficou. apenas vejo a senhora dona maria amélia e, naturalmente, a prima do colar de pérolas.
nunca mais te venho visitar. vem uma pessoa de tão longe, para xabregas, ou chelas, passa viaduto e ponte por baixo e por cima, engana-se nas rotundas e depois nem te dignas a abrir os olhos ou a apertar a mão aí encerrada nesse mundinho donde não sais nem deixas entrar.
tocam os instrumentos à tua volta, a única telefonia por perto, e reassinas como se fosse de madrugada. apitam as campainhas dos teus companheiros à roda e mexes um pé. digo- te que estavas muito mais bonita que a estúpida da h. no casamento da r., que eras a maIs bonita no casamento da c. e chamo vaidosa, além de alluneuse.
falo-te no l. e no passeio nocturno de barco (sem saber que alguém iria falar no mesmo assunto e em público mas em segredo - abençoada) de que só eu já tenho a chave (afinal não era verdade) e nem mesmo isso te convence a sair para fora não da cama mas do coma em que te foste meter.
será este um capricho final? não sei como a c. neta ainda não carregou contigo para os comatosos anónimos. talvez no acanhado apartamento sub-urbano as rezas e as reuniões te projectassem para fora da irritação.
igualmente me lembro de me teres gozado por o meu amigo ser de muitos salalecos mas nem oito nem oitenta, uma ausência completa de salamaleque também não é próprio de uma senhora.

16.10.10

upgrade

- não, não é um falhado é apenas (um) infeliz! disse ela.
apesar de ser evidente o crescimento da ideia, tida e mantida pela psicologia pop, de que cada um de nós consegue construir a sua própria felicidade, ainda é possível, a muitos dos nossos infelizes, viverem em paz com a sua infelicidade, sem terem de se sentir responsáveis por ela.
a natural constatação de que não se tem, ou não se teve, sorte na vida - nos filhos que se gerou, nos empregos que se obteve, nos casamentos que se fizeram - ainda permite a qualquer infeliz gozar a sua infelicidade sem ter de pagar, por ela, a imensa e horrível dívida da culpa.
talvez não por muito mais tempo, though. já que a figura do falhado tende a substituir a figura do infeliz. e, subjacente à figura do falhado está a ideia de que cada qual é responsável, o único responsável, pelo seu próprio sucesso na vida -  seja lá isso o que for e seja isso aferido a que nível da vida o for (a profissão, a família, a sociedade). ao domínio, impiedoso, de essa tão almejada "agência" ninguém pode escapar: um falhado, qualquer falhado, falha sempre por falha própria, não há como dar-lhe a volta. o azar, a doença, o destino, até o mero acaso, podem justificar a infelicidade do infeliz mas nenhumas dessas atenuantes pode remir, aos olhos do falhado, o seu próprio falhanço.*
assusta-me, confesso, a facilidade com que, hoje em dia, os que dantes eram tidos e se (man)tinham a si próprios como uns meros infelizes, são agora tomados, e se tomam a eles próprios, como uns verdadeiros  falhados.

* embora e talvez, paradoxalmente, a sorte, ao contrário do azar, seja mais facilmente usada para justificar o sucesso do que a felicidade.   

9.10.10

como uma criança

j'aime regarder fixement les choses até elas se tornarem vagas e indeterminadas a ponto de se confundirem umas com as outras.

5.10.10

uma vez aprisionada,


a minha grande ave
parece ter-se transformado
num pequeno réptil
com penas de madeira
colorida

2.10.10

picnic

desapareceram os caminhos, sob a erva.

30.9.10

cumprimento

... tá tão engraçado isso, as calças de ganga com o casaco de vidrilhos... ça j' adore!

29.9.10

dúvida

não tenho muitas vezes a certeza sobre a verdadeira autoria dos "meus" desejos e ambições.

28.9.10

net happiness



  2 
BelgiumBrussels, Brussels Hoofdstedelij...1,084 
  3 
United StatesVirginia Beach, Virginia3,560 
  4 
Unknown
  5 
PortugalLisboa23*
  6 
Unknown
  7 
United States4,545 
  8 
AustraliaCringila, New South Wales11,305 
  9 
Unknown
 10 
PortugalLisboa23*
 11 
PortugalGondomar, Porto189 
 12 
United StatesMountain View, California5,662 
 13 
Unknown
 18 
SwitzerlandZrich, Zurich1,093 
 19 
Unknown
 20 
PortugalLisboa23*
 21 
PortugalLisbon, Lisboa23*
 22 
FranceParis, Ile-de-France924 
 23 
PortugalLisboa


 [1]   2    3    4  

chuva de coral


e não é que parece mesmo que sempre
chove coral no meu tão modesto jardim?

26.9.10

antes do inverno

há-de chegar cá a casa um grande pássaro cujas penas, de diferentes madeiras coloridas, imagino já a flutuar levemente sobre a minha cabeça. no exacto lugar da ventoinha.

casa

o sol baixo que torna a sala grande bonita. a biblioteca tranquila depois de arrumada. a luz e o silêncio são o esplendor da manhã. 
à tarde, depois do sol rodar, a música que também convive com o silêncio. será então outra casa e outro eu. 
agora é ainda o prazer de andar à roda, descalça, da penumbra para a claridade, do fresco para o quente, da pedra para a madeira - diferentes as cores e as texturas dos tapetes. o milagre de ver de forma inaugural o mil vezes familiar. 

25.9.10

ave!

prenúncio de arvoredo.

(texto, cortado em dois, do poema Ilha, de Rui Cinatti, in Uma Sequência Timorense, Lisboa: Ed. Pax, 1970

soon

23.9.10

indeed

“YOU CANNOT MAKE YOURSELF THE WAY YOU ARE”
(tem algo do "pintar portas em paredes inexistentes")

blush, fita para o cabelo e frutos de plástico

encontrei hoje pela primeira vez um nome próprio chinês dissilábico que é uma palavra do léxico (corrente é os dois constituintes formarem algo de parecido com uma curta frase). poética, se o nome é bom, como acrescenta a vivienne alleton.
a palavra 淹博 (yanbo), um verbo de estado que significa "vasto", "largo", foi dado pelo avô paterno (como é costume) a um bebé rapaz nascido em lisboa, em 2010. 
como também é costume, os pais afirmaram não haver qualquer relação entre os dois nomes do filho: o nome chinês Yanbo e o nome português  André. mas, também como é costume, saí da entrevista a repetir de mim para mim yanbo/andré, andré/yanbo, julgando descobrir,  nessa ponderação sonora, alguma proximidade fonética entre as duas palavras.

22.9.10

the morrow

Take therefore no thought for the morrow: for the morrow shall take thought for the things of itself. Sufficient unto the day is the evil thereof. Mateus 6: 34

21.9.10

o princípio de Lund *

a vitória obtida pela extrema direita sueca, ao que se lê, obtida pela exploração eleitoral que fez da paranóia popular com a emigração e com o islão, leva-me a pensar no Princípio de Lund, acordado entre as igrejas cristãs, e assinado nesta cidade, em 1952, na Conferência da Fé e da Ordem, do Conselho Mundial das Igreja.
Segundo este importante princípio ecuménico, as igrejas cristãs devem actuar em conjunto em todas as circunstâncias excepto naquelas em que a profundidade das suas diferenças as obrigue a actuar em separado.
Nem um presidente da república ou uma ministra da educação diriam mais e melhor!

* pequena cidade universitária, no sul da Suécia, com mais de mil anos de história em cuja catedral funciona um fantástico relógio astrológico.

for that matter(s)

não sei se se aprende a ser pessoa antes, depois, ou ao mesmo tempo que se aprende a ser mulher. ou homem, for that matter.
não sei sequer se "pessoa" é uma noção relevante. como também não sei o que é que dela releva no ser "mulher". ou no "homem", for that matter. nem se releva: será "pessoa" uma abstracção, algo de natureza virtual condenada a realizar-se, sempre, ou como do género "mulher" ou como do género "homem"? a ser assim ainda menos saberia como pensar no terceiro género reconhecido na índia.
mas sei que há pessoas que rejeitam o conceito de "pessoa" pelo que seria a sua estreita ligação ao cristianismo; como sei que nas ciências sociais se prefere falar de "actor", "sujeito" ou "agente".
eu sou uma pessoa que gosta de "pessoa" (e de pessoas mas isso é outra história ou se calhar não porque o que me agrada em "pessoa" é o que nela ressoa de todas as outras pessoas) e a quem desgosta que nas chamadas línguas ocidentais, as línguas que lhe são maternas, todas as palavras que denotam ideias como "humano", "humanismo", "humanidade" tenham raiz em "homem". como desgostaria, for that matter, se derivassem de "mulher".
nada como as línguas chinesas nas quais esses conceitos se dizem por palavras em cuja composição não entra um sexo (nem, for that matter, um género) mas a pessoa, 人 rén; e daí a existência de termos como 人類 rénlèi, à letra categoria-pessoa, isto é “humanidade”; ou 人文主義, doutrina da cultura da pessoa, ou seja "humanismo".
estreitamente ligada a esta questão, que muitos acharão, se calhar com razão, perfeitamente bizantina, está a natureza da relação existente entre as duas identidades: igual ou diferencial? é o género que subsume a pessoa ou é a pessoa que subsume o género? e a resposta, não dependerá do género da pessoa que a dá? e, ainda mais: no par parental, qual dos membros nos ensina a ser pessoas? e esse que nos ensina a ser pessoas é a mesma pessoa que nos ensina a ser mulheres, ou, for that matter, homens?

19.9.10

a propósito de uma inesquecível experiência de circo *

Ciganos. E mais uma vez a minha raiz humana estremeceu. São eles que me dão sempre a medida absoluta da liberdade que não tenho e por que suspiro. Anarquistas em espírito e corpo, lembram-me príncipes do nada, milionários do desinteresse, sacerdotes da preguiça, ampulhetas obstinadas onde o tempo não se escoa. Comem a podridão, vestem-se de absurdo, são marcianos na terra. E ao vê-los caminhar na poeira do transitório, é a imagem do homem ideal que vejo passar, lírica e desdenhosa.
Miguel Torga, Diário VII, 1954, citado por rui herbon, in jugular

* num espectáculo do cirques romanes, dirigido por alexandre romanès e constituído pela sua família que veio a lisboa para o Festival Todos “Caminhada de Culturas 2010”

16.9.10

gostava muito

de conseguir escrever palavrões. é que há textos que só com eles (não muitos, bastam dois ou três) podem ser escritos. ora, como não consigo escrever palavrões, fico com muitos textos por escrever. ou melhor, por publicar. na verdade permanecem aqui por baixo, saved as drafts (o que me permite o pequeno gozo de os reler de vez e quando)

podia ser tavira

na festa o dennis aparecia, boinas de aveia e qualquer coisa como chapéus de chuva de gelado grande. mesa algarvia com figueira e escada para figos.
todos a irem a médico amigo que recusa dar zoloft a quem mais precisa. giro o médico noto. 
éramos quatro, electrocardiogramas, etecétera que é outro nome para a história (g.s.).
eu no fim digo que não faz mal porque, "sendo de cá" posso sempre voltar. e calo o gozo por o que quero ser nostálgico, por estar de fora.

on onipotência

qual omni fotografas? qual omni (d)escreves (palavras e acções)? 
então onde posso ver as águas escuras e paradas onde boia(va)m telemóveis? como disseste as rochas cinzentas esburacadas onde, em vez (ou além) das muitas formigas em labor exposto, repousa(va)m meio escondidos alguns telemóveis? e o ambiente decadente da clínica, o psicanalista despenteado em roupão e chinelas cor de rosa? com que palavras representar todas as sensações, emoções, recordações,  intuições e constatações que são, acima de tudo, de natureza não verbal? 
não, nem a realidade é representável nem o mundo é domesticável. nas palavras e nas imagens com que nos pretendes fazer crer que mostras o real, vejo apenas sombras projectadas de outras sombras.

em vão

me esforço por ouvir em sonhos o imenso barulho dos cavalos descendo de rompante a avenida da liberdade na tarde em que se procedia, nos restauradores, a um rastreio auditivo da população.

praia da luz

imprevisível a dimensão e a sensibilidade do superego do jardineiro.

13.9.10

com(em)oção



e eis que de repente encontro, fora de mim, o meu próprio coração.


o meu próprio coração a olhar-me a direito, o sorriso entre o doce e o trocista.


como ele é quando lhe acontece ser quem TU o
fazes.

8.9.10

Fish Music




For Pascale Petit

He struggles into his borrowed human skin,
the one he wears for special occasions
with the sewn-in dinner jacket and polished patent feet.
He brushes off earth and other traces of night,
Smells the remnant darkness on his sleeve,
Bends back the fingers that constitute his living,
And picks up the instrument. His mother is listening
In the next room, holding her breath for him,
The breath she has been saving all her adult years.

After the skin, the fish scales. One must glitter.
One must swim through the day. He flicks his tail
This way and that. He makes the first sounds
Those scraped sighs that are the sign of his well-being.
‘I’m ready,’ he says, his eyes glassy and round.
‘I’ve got my gills on. The whole amphibian kit.’

The music begins. The sea waits by the door.
Both skin and scale are glowing. The neck he wears
Is just a little loose, he must tighten it.
The chin has worn away on his left side.
The music slops about inside his belly a while
Then creeps upward blowing through his ears
Into the room and hard against the walls.
Now he is swimming. He sees the music
Floating in the tank of the room. He must practice harder.
It is his food after all. He can feel its strands
Slip between his fingers, now silk, now knife.
It smells wholesome, of water, night and skin.

‘How does it sound?’ he asks her. ‘Like salt,’ she says,
‘Like salt and damascene.’ Her fancy talk, he thinks.

It’s not his skin, he knows that. The dinner jacket
Is of another era. Too many buttons on the waistcoat
Of the flesh. Too much blood in the fibre, none of it his.
But music too is skin. He wraps it about him.
He’s hardly there: half-fish-half-man is elsewhere,
In the bone beneath a skin that’s not his own.
Each living thing has its own element, he thinks,
And even this old skin belongs to someone.



George Szirtes

7.9.10

registo

sweet attention

para a catarina

o meu blog continua ter comentários, o que ele não tem é comentadores.

21.8.10

“diferencia desigualada”

... mediante la exhibición de imágenes con alta carga erótica, cuerpos esbeltos y bronceados, sonrisas interminables, mamás/esposas siempre alegres y bien dispuestas para el cuidado ajeno y las tareas domésticas, la publicidad – que se pretende novedosa, transgesora- instaura, en realidad, un régimen de verdad basado en una lógica conservadora, hetero-normativa, desigualadora, anulando la diversidad de problemáticas humanas, sus conflictivas, sus riquezas, y llevando la injusticia a extremos que nos resultarían difíciles de tolerar si, hombres y mujeres, no estuviéramos tan entrenados para aceptar tal injusticia como costumbre y obedecerla como destino.
ler aqui

20.8.10

perguntaste-me

qual era a "frase da minha vida". respondi perguntando o que era a frase de uma vida. explicaste que era a frase que se repetia, ou pensava que se repetia, com maior frequência na nossa vida. recitei sem hesitar: "eu não faço a fusão das duas imagens". EU NÃO FAÇO A FUSÃO DAS DUAS IMAGENS!

19.8.10

Galen Strawson:

I don’t think love is blind. I think love sees all the faults and doesn’t mind. It brings the point of view of the universe into our lives, where it is (as far as I can see) welcome. The point of view of the universe can be part of care, caring.

hoje aprendi que

a famosa regra, mais velha do que o velho testamento, sobre a "vida por vida, olho por olho, dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe" não releva de uma ideia intrínseca de vingança (como julgava e julgo ser o entendimento corrente) mas da necessidade da moderação na retaliação. a sua intenção é afinal aconselhar-nos à contenção: toma um olho por um olho, e não mais - medida por medida, nada de escaladas.

17.8.10

last added to my listing


apart of charm to rent                 7 € night

wake up to the whistling birds or the sparkling water of an old fountai in this studio apartment with an exceptional view over a 20th century historical pateo.


situated in the centre of the city, the 2,1 sq. feet studio rental has been built by an old fig tree and with a bambu grove on its back. it has a natural cooling system ideal for the hot summer days. 

bed, bath and kitchen linens provided and wireless internet access. there is also a full time gardener and cleaning personnel in the buildings and pateo.

16.8.10

another quote

this one, said to be from steve jobs, was found while researching the internet for jailbreaking iphones: why join the navy if you can be a pirate?

o trabalho dos dias

i came here to say yes and i say.

flyingsaucers in the sky

ontem pior que hoje. e amanhã não é outro dia.

12.8.10

no one is patriotic about taxes

é uma citação que acabo de ler e que aqui posto em homenagem ao meu amigo JS no mês em que muitos, entre os quais orgulhosamente me incluo, não fazem a menor ideia de como irão pagar o IRS no mês que se aproxima a passos largos.

is this ALL?

- então, deixaste-o fugir!
- ele é que não se deixou prender...

11.8.10

otto muehl



artista austríaco descoberto na descoberta deste blog que me parece ser de (continuar a) ler...

é de ver os videos
aqui (tb tirados de ali)

9.8.10

diálogo amoroso

- apaixonado na realidade ou por necessidade?
- e o que é que isso interessa?

8.8.10

pandemos

Dentífona apriuna a veste iguana
de que se escalca auroma e tentavela.
Como superta e buritânea amela
se palquitonará transcêndia inana!
Que vúlcios defuratos, que inumana
sussúrica donstália penicela
às trícotas relesta demiquela,
fissivirão boíneos, ó primana!
Dentívolos palpículos, baissai!
Lingâmicos dolins, refucarai!
Por manivornas contumai a veste!
E, quando prolifarem as sangrárias,
lambidonai tutílicos anárias,
tão placitantos como o pedipeste.

jorge de sena

7.8.10

dia da inauguração do mundo

O olhar faz o olho
O olho faz o mundo.
Hoje é dia da inauguração do mundo.
Nunca houve um tempo pré-existente ao olhar
O olhar é o inaugural dos mundos

5.8.10

eyescapes

visto pelo olho esquerdo o mundo era uma paisagem quente em tons amarelos e dourados; olhado pelo olho direito, a (mesma paisagem) arrefecia numa mistura de brancos acinzentados. (receio ter agora perdido aquilo que verdadeiramente me ajudava a nunca esquecer o carácter absoluto do relativo).

30.7.10

mário crespo


devolve a pergunta de um dos seus dois
enfrentados de hoje, afirmando, com o seu
plácido mas inteligente sentido de humor:
- essa pergunta deve ser feita aos flamingos.

29.7.10

o dia de hoje

tornou irrevogável o sentido dos últimos mais de vinte anos da minha vida.  

26.7.10

fechar, ou não fechar, à chave

- desculpe lá sr. arménio eu tinha-lhe dito que queria poder fechar o armário à chave mas ao mesmo tempo agora não sei se gosto da fechadura assim lá tão alto... então e se se pusesse um fecho como aqueles ali dos armários ao lado? se calhar preferia que ficassem todos iguais... acha que ainda se conseguem encontrar daqueles fechos?
- esses fechos, chama-lhes a gente, "tranquetas doidas"...
- ah então óptimo, fica mesmo é uma tranqueta doida!

25.7.10

férias de verão

em proveitosa releitura
do meu mui estimado
Peter S. Du Ponceau,
(1787‐1844), um  dos
primeiros linguistas
europeus a desconstruir
o mito sobre a natureza
ideográfica da escrita
chinesa.
obrigada JS!

24.7.10

al mirante

conteúdo censurado

21.7.10

mudam-se os tempos ficam as vaidades

- há quem esteja hoje no facebook como quem dantes estava à janela: a ver a rua de dentro de casa...
- e a meter-se com quem passa!

palavrinhas

- romêro, romêro, quem és tu?
- ê cá na sou nenguém...

19.7.10

L'air de la bêtise

Mère des gens sans inquiétude
Mère de ceux que l'on dit forts
Mère des saintes habitudes
Princesse des gens sans remords
Salut à toi, dame Bêtise
Toi dont le règne est méconnu
Salut à toi, Dame Bêtise
(...)

13.7.10

conclusion

money is time.

9.7.10

auto-retrato

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é o bicho

quem me dera poder dizer, como a leonilde, que me desbicho. e daí... calhando, até posso que nem tenho eu feito outra coisa nestes últimos tempos* senão desbichar.


* on second thought, não tem sido só nas últimas semanas - então e na última década pós transplantação? isto para não falar nos anos anteriores, mais de colheita, nem nos anteriores aos anteriores, talvez de plantação. e no mato? eu até em criança devo ter desbichado por aqui e por ali. e será que viver há-de ser outra coisa que não seja desbichar-se? é isso, até porque só depois é que hão-de vir os bichos de que a gente não se consegue desbichar.

5.7.10

na travessa das almas

pernoita uma alma atravessada num sofá cor de sangue (de boi): aila! aila! aila!

4.7.10

(re)encontro

com esta pessoa, perdida na longa duração do tempo, acontece, inesperado e fulgurante, na curta dimensão do espaço.

28.6.10

(des)encontro

9:30. rossio da trindade, café baluarte.
sentada na esplanada à espera da bica, vejo o sr. martins sair da sua loja electrodoméstica e dirigir-se-me de mão estendida:
ele - então como está?
eu - com muito trabalho...
ele - vê-se pela mão!

27.6.10

solitária (des)ventura

num deserto atulhado de gordas caixas de cartão (no interior das quais repousa uma casa inteira por montar), de latas de tinta e de rolos e de trinchas, de magras caixas de cartão (imported from italy) no interior das quais permanece uma canalização-promessa de água transparente, entre uma porta meia feita e uma outra por fazer, ainda é uma sorte alguém poder escrever diga lá minha menina quantas portas vêm a ser...

24.6.10

joint venture

or, a tale of three cities

. beijing
. lagos
. new haven

23.6.10

braço de prata








durante as buscas do T (entretanto já encontrado), o sr. apolinário demonstra,
com braço de ferro, toda a ferrugem do ferro.


22.6.10

depois do dia mais longo do ano,

shall I compare thee to a summer's day? não, nunca... thou art more
lovely and more temperate.

21.6.10

esta tarde, em minha casa,

chegaram a estar, obrando ao mesmo tempo, quatro senhores, a saber
o sr. apolinário
o sr. sesinando
o sr dennys
o sr. arménio
o sr. arménio conhecia o sr. apolinário. o sr. sesinando é grande amigo e parceiro de trabalho do sr. apolinario. eu apresentei os três ao sr. dennys que só eu conhecia.
havia também duas senhoras (a sra d. luyba e eu - amigas entre nós de longa data) mas isso não conta porque esta tarde não estávamos obrando: ela aspirava e eu oleava.
uma obra é uma festa social.

pensamento juche






19.6.10

altares do solo

perdi o meu para tu encontrares o teu. não terá sido em vão.

16.6.10

o valioso tempo dos maduros*

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam
poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir
assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário-geral do coral.
'As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial! 

Mário de Andrade
(1893-1945)
enviado pela patrícia v.


* sempre me divertiu o facto da palavra "maduro" significar tanto "com idade" como "sem juízo".

13.6.10

jeannes (sem arco nem flecha)

imersas em intermináveis conversas que ora (nos) versam (n)o individual reverso ora (n)o incontroverso dual comum - por vezes adverso, nem sempre controverso. muitas vezes dispersas em nossas vidas tão inversas. nunca introversas.

12.6.10

tem é de decidir

se quer que eu ponha uma fitinha ou se vou pôr uma orlazinha...

11.6.10

the latest (and, I hope, also the most emailed...)

estão a chegar as tábuas com que vai ser construída a nova escada para a praia*. escada que segundo um dos operários da câmara, "no fim do mês que vem ou talvez antes", estará acabada.

*agora temos como que um grande escorrega natural, cavado na falésia, através do qual podemos deslizar, de rabo, mesmo cá de cima e aterrar lá em baixo na areia - uma descida suave e divertida até porque nos deixa completamente amarelos

10.6.10

agora no bom tempo

é que convém a gente lembrar-se, talvez mais do que na chuva, que o jean qui rit est também o jean qui pleure.

il gattopardo



entre a belíssima leveza das cortinas soltas de delicada transparência, o seu suave movimento - ao ritmo do qual entra e sai, com a brisa tão do sul, a respiração da morte de uma época, isto é, o olhar nostálgico do homem que a/se percebe no seu moribundo esplendor - e a pesada imobilidade das cortinas, cortinas que sendo as mesmas já são outras outras, de textura opaca, escuridão de veludo da cor do sangue velho, bem amarradas à parede - que encerra a época, e o olhar que a olha, na casa -  se passa este filme, polémico pelas mesmas razões do anterior (sempre a tensão entre a estética e a política na origem da polemia) que vi, pela primeira vez, com uns olhos esbugalhados onde ainda hoje dançam soltas as cortinas.

uma casa portuguesa

sei lá se dos anos 50. era uma casa-casa. e num tipo de casa assim é natural que se jantasse como se jantou, um verdadeiro jantar, apetecia -me dizer também à portuguesa, ou aos anos 60. admirável a companhia. como só numa casa "nossa" (e não é que me volta a apetecer dizer portuguesa?), as pessoas sabem fazer-se companhia umas às outras, sem esforço nem afectação, e divertir-se no melhor e mais nobre sentido da palavra.
o que sei - e realmente adorei -  foi os donos desta casa, onde encontrei e de certo modo reaprendi a tradição do receber à portuguesa (dois irmãos que poderiam ser meus filhos  - só não são porque calhou saírem da barriga de outra mão)  serem eles a nova geração.
obrigada mariana e francisco!

8.6.10

comandante e comandada

o comandante de quartel de bombeiros é desenhador nas horas vagas. a sua empresa tem escritório onde trabalha a mulher radiante com esperteza e lucros do marido. quando manifesto opinião contrária sou por eles trucidada. saio então do carro e pergunto o que hei de fazer e a quem recorrer; pergunto a toda a gente o que hei de fazer na questão com o comandante e até sugiro falar com o avô tropa, que, por ser tropa, lhe há-de agradar a ele comandante e desenhador.
em casa há 26 crianças que todos os dias tomam banho e se arranjam para o jantar. mas só há uma criada para tantas auroras. vejo um cobertor no chão, todo sujo, que conheço ser de enrolar e ter sido morada de ratos - dai as caganitas. digo que é melhor lavá-lo pois os ratos são venenosos e espanta-me que a criada concorde sabendo eu ter sido ela quem, noutro tempo e local, deixou a minha bela manta indiana chegar àquele estado.

na casa o perigo é o fogo pois os fogões da cozinha estão todos espalhados pelos corredores - onde correm as crianças - ou encostados às portas dos quartos vedando a circulação pela casa, nomeadamente a entrada para meu quarto.

é uma casa grande e complexa onde outras vidas se passam - mulheres bem vestidas e alguém, que não sei se é homem ou mulher, dizem, riem imenso ao ver as nódoas que crivam a minha a saia. ainda me tento defender mas depois desisto. olho o meu braço escanzelado com espanto e susto. que bom, magreza. que horror, doença.

7.6.10

da sophia


Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo 
Na luta por um bem definitivo 
Em que as coisas de amor se eternizassem.

6.6.10

la pluie

jean qui pleure est jean qui rit.

2.6.10

alba, de E. de Andrade

como se não houvera
bosque mais secreto,


como se as nascentes
fossem só ardor,


como se o teu corpo
fora a vida toda
,

o desejo hesita
em ser espada ou flor.



este belíssimo poema (que reli no FB de um amigo) bate-me (leia-se, dói-me); é com ele que me debato (leia-se, me inquieto) num debate à volta de uma pergunta (cuja natureza pateta, mas também patética, dificulta o aparecimento de uma resposta na alba): não é este poema um exemplo de texto que só uma pessoa do sexo masculino (poderia) escrever(ia)?

29.5.10

一个都不能少



filme polémico de zhang yimou, retirado de cannes (2000)
mas premiado com o leão de ouro em veneza, visto e comentado,
no final do dia, em minha casa com os alunos de chinês.

tarde simpática.

27.5.10

as alegrias dos dias

não fosse perder a rima e teria chamado a este post as 'alegrias do lar'
já que foram as diferentes flores, nascidas e desenvolvidas no lar, que
tiveram a capacidadede florir os dias com esta alegria!

23.5.10

sic radical

se a família não tem... crenças ou essas coisas assim, e não vai buscar as ossadas, 
eu enterro-as mais fundo e depois vai outro por cima.

afinal

não é exactamente escrever aquilo que me salva – o que é realmente dotado de natureza salvífica é o desejo de escrever.*

* tanto durante a prolongada encomenda da alma como aquando da breve colocação do corpo na gaveta, uma quase obsessiva descrição, em mentalês, do que (não ) estava a viver, foi silenciando toda a inquietação através da repetição, meio alucinada, de palavras e de frases.

sic mulher

- então ontem foste almoçar com eles e não lhes disseste que a tua mulher tinha morrido? fiquei tão admirada quando percebi que os tipos não sabiam de nada. só tu...
- só eu? que mal é que tem não ter dito nada? então havia de ir maçar as pessoas!? e o que é que eu lhes ia dizer? 
voltando-se para o cunhado:
- ouve lá… tu não fazias o mesmo?
- fazia...
- pois não, não tem mesmo mal nenhum - eu só invejo é essa vossa discrição, ou contenção, masculina.

sic notícias

"por causa da primeira não casei com o meu pai e por causa da segunda não casei com o seu pai."

informação sic

"quando a minha morreu só ela é que morreu. mas, quando passados muitos anos, morreu o meu pai a minha mãe também morreu. agora, com a morte da minha irmã, foram os meus pais que morreram também."

sic

"olha é a segunda vez que venho a este cemitério. a primeira foi para o teu pai..."

21.5.10

this is so home.

17.5.10

profissão: proprietária

tudo começou quando, por um conjunto de circunstâncias várias, tive pela primeira vez acesso a um comando um comando de televisão. mas só agora, tantos anos depois dessa rudimentar epifania doméstica, as formas, cada vez mais fálicas, destes verdadeiros instrumentos de objectiva libertação (feminina? pessoal?) me saltam assim tão à vista. 

ai fône da minh' alma

objectivamente, o meu um iPhone é o bloco, o lápis e a borracha que trago sempre comigo. 
subjectivamente, ele é o meu urso de peluche (coisa que nunca tive), uma chucha, ou uma fralda bem madurinha: mesmo sem novos podcasts para ouvir não passo uma noite sem o ter na cama comigo.  dantes mantinha-o debaixo da almofada, ultimamente meto-o, ao peito, por baixo do édredon, mesmo junto ao coração.

esmero

cuidando de si próprio como se de outro se tratasse.

10.5.10

canilhas*



porque por acaso tínhamos ido almoçar ao campo, encontrámos um amigo vendedor de peixe que nos disse ter medo de ter comprado canilhas a mais para a época do ano.
como uns nunca tinham provado e outros gostavam muito, ofereceu-nos um saco cheio delas.
cozidas em água bem salgada e comidas com pão com manteiga e um vinho rosé algarvio (pitróleo) deram a mais fantástica e inesperada mariscada dos últimos tempos.



*Haustellum brandaris, also known as Bolinus brandaris or Murex brandaris, and commonly known as the purple dye murex or the spiny dye-murex is a species of medium-sized predatory seasnail, a marine gastropod mollusk in the family Muricidae, the murex snails or the rock snails.