9.1.08

netos e flores

hoje ofereci três vasos, com três flores, de três cores diferentes, a três dos meus netos. a ideia era dar-lhes alguma coisa viva e de cuja vida eles se pudessem encarregar pessoamente (excluído à partida qualquer exemplar do reino animal vetado pelos pais). apesar de ter fantasiado alguma interacção entre as crianças e as flores - as cores destas a realçar as cores dos olhos das outras, ou, porque não, a vegetal passividade moderando a actividade animal, jamais poderia imaginar um tal processo de antropoformização. os meus netos começaram por lhes "despir as gabardines" (celofone transparente em que cada vaso vinha enrolado); depois escolheram "os nomes que lhes vamos dar" (uma optou por chamar 'rosa' à sua, apesar de ela, tal como as irmãs, não terem relações de parentesco com a família das rosas); finalmente, quiseram saber os dias em que elas faziam anos (como a observação empírica só provou que uma era mais alta do que outra, cada neta escolheu uma data para a sua flor - 28 de maio e 10 de março. estabelecida a identidade civil de cada exemplar (características físicas, nome pessoal e data de nascimento), passaram à adopção afectiva - muito engagé do lado das 'mães', um pouco blasé do lado 'do pai': as primeiras embalando-as enquanto as cheiravam e acariciavam; o segundo arrastando-a pelos cabelos, entre o quarto - onde a punha a dormir, e a sala - onde queria que ela brincasse com as irmãs.
quando nos despedimos, aquela com a qual tinha combinado um lanchinho, em tête à tête, no final da semana, gritou-me do alto da escada: "eu vou avó mas levo a minha flor!".

uma descoberta MAIOR

a referência a jeová, por este meu novo companheiro blogueiro, é mera coincidência. quer dizer, não é pelo facto de, por acaso, nos termos todos (ele, o sapateiro dele, eu, os meus chineses e as minhas testemunhas) cruzado com jeová (um deus descohecido?) que me leva a trazer o blog ultra-passado para o blog gloria do vulgar. é pelo puro alvoroço em que me deixaram os textos lá publicados. da sua qualidade MAIOR atesta bem este tríptico.

15 Junho 2007

I – O MEU VIZINHO SAPATEIRO

Fui levar o cão à rua. O meu vizinho, sapateiro – sem as vestes de trabalho habituais – era domingo… “dia de ver a Deus e à Joana” – saiu-me ao caminho e enquanto falava: - Como está?! – meteu-me um papel no bolso da camisa. Disse-lhe: isto vai mal: Estou pronto: - Dói-me tudo! Olhou-me por momentos concentrado e sentenciou: é a P.D.I.. A P.D.I.? O que é isso? Perguntei. É a porra da idade, esclareceu. Concordei.
Quando cheguei a casa tirei o telemóvel do bolso da camisa. Agarrado veio o papel que o gajo lá tinha metido. Vejam:


Surpreendido – não me lembrava… – perguntei-me: - que merda é esta? Depois recordei-me: - era o papel que o sapateiro me tinha metido no bolso… Intrigado, voltei a perguntar-me: - Quem é que terá convencido o sapateiro, de que eu é que sei quem é o Jeová?
Só Deus sabe…


II – O MEU VIZINHO CANGALHEIRO

Ao fim da tarde, já lusco-fusco, voltei a levar o cão à rua. Encontrei outro vizinho, dono da agência funerária, localizada um pouco mais abaixo da porta do prédio onde moro.


Quase todos os dias, quando vou passear o cão, o meu vizinho cangalheiro me vê e vê como ando (… como me arrasto) cosido com dores, a ter que parar, depois de dar uma dúzia de passos – às vezes menos – e a necessidade que tenho de me “sentar” no capot de um qualquer dos automóveis que atravancam o passeio. E cumprimenta: Como está? Passou bem? Embora bem saiba – diz-lhe a larga experiência de lidar com mortos – que eu não tardo a ser mais um… no rosto, acima da linha do sorriso, vejo-lhe o brilho guloso do olho; e atrás do olho, como se estivesse impressa no pé da 3.ª circunvolução frontal ascendente (vulgo Centro de Broca) a pergunta: - “Quando é que o cabrão do velho deixa, de vez, de trazer o cão à rua?”. E, quase como se fosse seu parente – o que julgo, talvez não seja o caso – vai afagando o Buba com aparente ternura; embora, eu tenha a quase certeza de que os afagos do cangalheiro serão, no fundo, de natureza mais comercial do que afectiva: - tendo para mim, como certo, que o meu vizinho cangalheiro o que tenta é conseguir, assim, a preferência – do morto que praticamente eu já sou – na escolha da sua agência para me fazer o funeral.
…Precisamente por isso, os gemidos de prazer do cão – filho da puta, hedonista – ao receber as carícias do cangalheiro, soam sempre aos meus ouvidos, meio surdos – já não descodificam o que ouvem – como se fossem os dobres de finados da sineta, à chegada da carreta à porta do cemitério.


III – O MEU FUNERAL

Quando voltei a casa, deitei-me sobre a cama para descansar um bocado e de cansado que estava, adormeci. Depois – e talvez por motivo das festas do cangalheiro ao cão – sonhei que tinha morrido... E enquanto sonhava, pensei: - ora ainda bem. Já não era sem tempo... Depois vieram – ou sonhei que tinham vindo – uns gatos-pingados que pegaram no morto que restava de mim e levaram tudo para uma capela mortuária.
E lá fiquei. E, sendo certo que estava morto e não tendo, de momento, mais nada que fazer, resolvi pensar na minha vida. E enquanto assim pensava, ia passando o tempo, embora eu não soubesse exactamente, – porque estava morto – se estava a sonhar ou estava só a dormir. E em boa verdade, só poderia sabê-lo se voltasse a despertar o que não era de esperar uma vez, tudo levava a crer, que estava morto.

Entretanto vou continuar a pensar e amanhã logo vejo: - ou não acordo e confirma-se que estou morto, ou acordo e continuo a contar-vos o meu sonho. Agora vou mesmo dormir, se é que realmente ainda estou vivo, embora a sonhar que estou morto.
11 Junho 2007

8.1.08

耶和华见证人 procuram chineses

quando alguém, por acaso, nos batia à porta, as minhas filhas entravam numa espécie de pânico e não deixavam de me perguntar muito inquisitivamente "quem será?". como se eu, por ser a mãe (?) por ser a adulta (?) tivesse obrigação de saber quem era ou, pelo menos, de fazer uma educated guess. actualmente, e apesar de instaladas nas suas próprias casas, continuam a reagir do mesmo modo . ontem, eram nove e tal quando tocaram à porta. a que jantava comigo tirou os olhos do caldo verde e de sobrolho franzido espantou-se: "quem será?. "algum humano..." tentei desdramatizar. "mas assim fora das horas de expediente!?" indignou-se ela.

"eram umas testemunhas de jeová à procura de uns chineses" participei depois de voltar para a mesa. "está a falar a sério?". não era possível falar mais a sério.

- olhe, desculpe é aqui que moram uns chineses?
- não, não moram...mas porquê?

- não é do 27, 3º esq.?

- é.
- então e não moram aí uns chineses?
- acho que não...
(mr chang had just left the day before) bom mas... (rilley was here a month ago). e não quer dizer porque que é que me (sim, why me... from all people?) está a perguntar isso?
- e no prédio, não sabe se moram chineses?

- mas é de uma empresa ou não quer mesmo dizer quem é nem ao que vem?
- somos testemunhas de jeová e estamos à procura de chineses.
- ah está bem. não, não, cá no prédio só moram portugueses.
-

manhã clara

cantar lontano
obras de donati e pellegrini
(
e lucevan le stelle)

7.1.08

junzi bu qi

o mestre disse: "um cavalheiro não é um instrumento". sem a preocupação de ser conciso nem obscuro, um outro professor encarregou-se agora de explicar a frase - neste artigo.

respeito mútuo

para o jl
eu também respeito os fumadores. mas , naturalmente, os que me respeitam a mim.

melhoria urbana

lisboa ficou mais simpática depois da entrada em vigor da lei anti-tabaco: indoors deixou de haver fumo e cheiro a tabaco; outdoors passou a haver gente, aos grupos, a conversar e rir.