17.10.09

a glória do vulgar

fiel à letra e ao espírito do seu nome, tem hoje o prazer de anunciar que, com a publicação do post anterior, se tornou no primeiro blog * cujos posts (isto é, as vulgaridades)  têm notas de rodapé (destinadas a realçar-lhes a vulgaridade).** 

* assim mesmo, "o primeiro blog" 
** a glória estando, naturalmente, no excesso de vulgaridade assim obtido. 

como irão os portugueses reagir

à notícia da bbc anunciando ser o uruguai  o primeiro país * a fornecer um portátil a todas as crianças do ensino básico oficial?
tendo ido tão longe na sua mui justa e patriótica indignação contra uma pequena e desconhecida actriz brasileira de telenovelas, por que meios poderão agora defender a sua honra nacional desta vez posta em causa pela imensa e mundialmente famosa cadeia de televisão pública britânica?
eu, se fosse portuguesa, deixava de falar inglês e, se eles não pedissem desculpas formais, acabava com o inglês nas escolas.

note-se a mestria perversa do redactor que, deliberadamente, não escreve "o primeiro país do mundo" (para não ser lixado pela alta autoridade para a comunicação social "deles") nem "o primeiro país da américa latina" para nos lixar a "nós".  resta acrescentar que a Verónica Psetizki. que lhes envia a notícia de montevideu, nunca refere ser o seu país o primeiro (é verdade que também não diz que e o segundo mas caraças está no uruguai não na colombia...) 

16.10.09

o sexo dos anjos*

sou, por natureza, monodómica (adjectivo derivado da palavra "monodomia": do grego mónos, "um", mais domos, "casa").  não gosto, nem sei, ter duas casas ao mesmo tempo. nunca consigo gozar plenamente uma sem sentir que estou a abandonar a outra. no que a casas diz respeito confunde-me ouvir tanta a cantar os dois amores. 


* com este post, que esteve para se chamar "o sexo das casas", encerro um pequeno e semi fortuito ciclo sobre o "sexo das coisas".  a substituição de 'casas' por 'anjos', no título do post, visou acentuar a irrelevância, para não dizer mesmo a estupidez, do seu conteúdo.   

cabeleireiro diferente

doce, a rapariga perguntou-me: a senhora quer que eu lhe traga alguma coisa para ler?
- acho que sim...
- e que revistas é que a senhora prefere? de viagens ou de ...
- não, o que eu costumo gostar é daquelas revistas de fofoquices e parvoíces...
seca, a rapariga respondeu-me: ah essas aqui não temos. 

15.10.09

adivinha

quem poderá ser o autor deste poema de significado especialmente 
reaccionário (portanto estúpido) e de prosódia particularmente bela
(portanto inteligente)?
não és mais do que as outras, mas és nossa, 
e crescemos em ti. nem se imagina
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, mera aspirina,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vida nova e repentina.
mas é o teu país que te destroça,
o teu próprio país quer-te esquecer
e a sua condição te contamina
e no seu dia-a-dia te assassina.
mostras por ti o que lhe vais fazer:
vai-se por cá mingando e desistindo,
e desde ti nos deitas a perder
e fazes com que fuja o teu poder
enquanto o mundo vai de nós fugindo:
ruiu a casa que és do nosso ser
e este anda por isso desavindo
connosco, no sentir e no entender,
mas sem que a desavença nos importe
nós já falamos nem sequer fingindo
que só ruínas vamos repetindo.
talvez seja o processo ou o desnorte
que mostra como é realidade
a relação da língua com a morte,
o nó que faz com ela e que entrecorte
a corrente da vida na cidade.
mais valia que fossem de outra sorte
em cada um a força da vontade
e tão filosofais melancolias
nessa escusada busca da verdade,
e que a ti nos prendesse melhor grade.
bem que ao longo do tempo ensurdecias,
nublando-se entre nós os teus cristais,
e entre gentes remotas descobrias
o que não eram notas tropicais
mas coisas tuas que não tinhas mais,
perdidas no enredar das nossas vias
por desvairados, lúgubres sinais,
mísera sorte, estranha condição,
mas cá e lá do que eras tu te esvais,
por ser combate de armas desiguais.
matam-te a casa, a escola, a profissão,
a técnica, a ciência, a propaganda,
o discurso político, a paixão
de estranhas novidades, a ciranda
de violência alvar que não abranda
entre rádios, jornais, televisão.
e toda a gente o diz, mesmo essa que anda
por tal degradação tão mais feliz
que o repete por luxo e não comanda,
com o bafo de hienas dos covis,
mais que uma vela vã nos ventos panda
cheia do podre cheiro a que tresanda.
foste memória, música e matriz
de um áspero combate: apreender
e dominar o mundo e as mais subtis
equações em que é igual a xis
qualquer das dimensões do conhecer,
dizer de amor e morte, e a quem quis
e soube utilizar-te, do viver,
do mais simples viver quotidiano,
de ilusões e silêncios, desengano,
sombras e luz, risadas e prazer
e dor e sofrimento, e de ano a ano,
passarem aves, ceifas, estações,
o trabalho, o sossego, o tempo insano
do sobressalto a vir a todo o pano,
e bonanças também e tais razões
que no mundo costumam suceder
e deslumbram na só variedade
de seu modo, lugar e qualidade,
e coisas certas, inexactidões,
venturas, infortúnios, cativeiros,
e paisagens e luas e monções,
e os caminhos da terra a percorrer,
e arados, atrelagens e veleiros,
pedacinhos de conchas, verde jade,
doces luminescências e luzeiros,
que podias dizer e desdizer
no teu corpo de tempo e liberdade.
agora que és refugo e cicatriz
esperança nenhuma hás-de manter:
o teu próprio domínio foi proscrito,
laje de lousa gasta em que algum giz
se esborratou informe em borrões vis.
de assim acontecer, ficou-te o mito
de haver milhões que te uivam triunfantes
na raiva e na oração, no amor, no grito
de desespero, mas foi noutro atrito
que tu partiste até as próprias jantes
nos estradões da história: estava escrito
que iam desconjuntar-te os teus falantes
na terra em que nasceste, eu acredito
que te fizeram avaria grossa.
não rodarás nas rotas como dantes,
quer murmures, escrevas, fales, cantes,
mas apesar de tudo ainda és nossa,
e crescemos em ti. nem imaginas
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, vãs aspirinas,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vidas novas repentinas.
enredada em vilezas, ódios, troça,
no teu próprio país te contaminas
e é dele essa miséria que te roça.
mas com o que te resta me iluminas. 

14.10.09

amores de verão

o beco tem 3 anos e o filipe 70. durante grande parte das férias foram os maiores amigos do mundo. até que um dia o filipe, enternecido decerto com a divertida mistura de placidez, excentricidade e contentamento perene que caracteriza o beco, o cumprimenta com um olá meu amor seja muito bem aparecido!
o sorriso aberto do puto fecha-se um pouco e sempre com o seu ar  blasé comenta : eu não sou o teu amole.
- ai não és? mas olha que eu gosto tanto de ti...
- eu não sou o teu amole - tu não me conheces...
- então não te conheço? posso não te conhecer muito muito bem mas isso ninguém se conhece assim tão bem. e conheço as tuas irmãs, que também são uns amoles meus, e conheço o teu pai, outro amole que conheço há muitos anos...
o beco calou-se e a sala, que tinha parado para escutar o diálogo amoloso, retomou o seu movimento matinal. até que se ouve a voz do beco, sempre tranquila e distraída, sem agressividade nem entusiasmo, muito matter of fact, a pôr um ponto final à questão: eu não te conheço.

13.10.09

Rain


este belo video foi-me enviado pela AP, depois
foi uploadado (por mim!) para o YouTube e daí
(re)enviado para aqui.

o sexo das camas

este post, assim como os seus numerosos comentários, desenvolvem de forma estimulante e inesperada dois posts deste blog. obrigada emiele pelo food for thought!

12.10.09

o sexo das mesas

ontem a "minha mesa" era constituída apenas por mulheres,  um facto sem nada de especial mas que suscitou muitas e diferentes reacções por parte dos votantes. diferentes mas obedecendo a um claro padrão de género: do lado dos homens era a ironia pela sua evidente ausência; do lado das mulheres, a alegria pela sua manifesta presença. 
a pergunta feita quase de chofre, logo pela manhã, por um votante de meia idade -"então correram com os homens foi?"  prenunciava bem o espírito dos comentários masculinos que se lhe haviam de seguir. e a exclamação da rapariga, já quase na hora do encerramento  - "só mulheres?! boa!" resumiu na perfeição todos os comentários feitos pelas mulheres até ali.
não sei se o que ali era visível (digno de ser notado) era a ausência total de pessoas do sexo masculino ou a presença exclusiva de pessoas do sexo feminino.  mas julgo saber que se a mesa fosse constituída  por homens ninguém (isto é, nem homens nem mulheres) teria visto nada: nem a falta de mulheres, nem a presença dos homens.