faz-me confusão ir buscar uma neta à escola e ela vir comigo sem me perguntar para onde vamos ou como vamos. num entrega total. e com uma alegria absoluta. se nos enfiamos no metropolitano é um divertimento: porque os bilhetes não funcionam e, como na horrível cantiga do senhor barqueiro, ora consigo entrar com uma mas tenho de deixar de fora a outra, ora consigo sair com a outra mas tenho de deixar de dentro a uma; porque depois em vão procurarmos as escadas de uma cor qualquer, encontramos uma amiga, cujo nome é alegria (e que apesar de ter um ar bastante perdido sabe muito bem para onde vai) e nos conduz, através do labirinto até à saída para a amadora-este; porque à força de imaginarmos o que vai dentro dos sacos dos nossos companheiros de viagem, nos esquecemos de uma das nossas próprias mochilas. se tomamos um táxi é uma risota: porque o motorista foi muito simpático ao esperar por nós, na rua das pretas, e temos de lhe agradecer; porque num sinal vermelho, ouvimos o motorista a cumprimentar, numa língua estranha, um outro motorista de táxi: oh avó que língua é que o senhor está a falar? perguntou baixinho a mais nova ao que mais velha logo respondeu, mais alto, que era francês - pelo que, entre cantigas cantadas em coro e palavras soltas ditas a solo, a eufórica viagem terminou em frente à faculdade de letras com sucessivos
au revoir distos de dentro e de fora do carro pela mimas, a mais velha e mais expedita. se vamos a pé, tudo o que se nos depara pela frente, pelo lado ou mesmo por trás (as cianças têm olhos de moscas) é objecto de curiosidade e de desejo - o objectivo da viagem não sendo chegar, pode-se efectivamente viajar.
outro dia era dia de coro. era portanto suposto subir a avenida e descer ao metro, como fazemos todas as semanas. mas nós, sem eu lhe dizer nada, de mãos dadas, começámos a descer a avenida e a subir ao chiado. sem que nunca fosse preciso puxar ou explicar. no rossio, a jucas quis tirar fotografias dentro de uma das mais ou menos estúpidas letras do
love, no chiado parar a observar o fogo dos saltimbancos e no paris em lisboa oferecer um presente com o dinheiro dela. tudo isto fizemos sem que uma única vez ela me tivesse interrogado sobre as razões da alteração do programa ou sobre os objectivos do programa de substituição. para estas minhas netas a vida é o próprio programa.