5.1.08

my world has gone back to its place






o sabor do sal


pensar, em aveiro, no debate chinês do sal tem outro sabor. experimentei-o hoje por acaso quando ao falar dos padrãos políticos e económicos estabelecidos durante a dinastia han, referi o famoso Yantielun (盐铁论): a transrição de um debate, realizado em 81 ac, entre 60 intelectuais de todo o país convocados pela corte para discutir, em público, as suas posições pró e contra a manutenção dos monopólios estatais do sal e do ferro.
fotografia retirada daqui

o horror

de sentir, ao mesmo tempo, que disse muito mais (do que é possível apreender) e muito menos (do que é impossível não apreender).

despedida

universidade de aveiro: a arquitectura (do "complexo") e as "plantas de interior"


como é que alguém foi capaz de se lembrar de destruir esta arquitectura 'decorando'-a com vasos de diferentes tamanhos e plantas? e como é que não houve até agora ninguém que os tivesse mandado retirar? se uma única planta de interior que fosse chegava para turvar toda a imensa limpidez deste espaço, a multiplicidade de vasos espalhados por escadas e corredores-sala - deste edifício, exactamente os elementos mais nobres (pela sua qualidade colectiva, função de passagem, opotunidade de encontro?). desintegra a integridade própria de uma arquitectura cuja qualidade maior sinto ser a sua imensa integridade.

para fazer esta fotografia sem vasos tive de empurrar para o lado um, mais pequeno, que estava do lá de cá da parede. mas não consegui mover o que estava do lado de trás e que por isso ficou visível. prova afinal de que (não) se trata de pesadelo meu, nem, for that matter, da pessoa que a sonhou, o arquitecto vítor figueiredo (cuja morte, em 2004, coloca fora de qualquer oposição, mesmo ou sobretudo a que opõe o pesadelo ao sonho)

3.1.08

olímpica infelidade conjugal

durante uma conferência de imprensa da CCTV 5 sobre os Jogos Olímpicos, Hu Ziwei, mulher do responsável pela secção de desporto da estação, Zhang Bin, que supostamente só deveria ouvir o discurso do marido, antes de ele começar a falar, tirou-lhe o microfone das mãos e fez ela o seu próprio discurso. não sobre a febre olímpica que grassa no país mas sobre a febre da infidelidade conjugal do(s) marido(s) chineses. alguém presente na sala filmou a cena. que para mim, longe de ser divertida, como a tenho visto classificada, é um pouco arrepiante. talvez pela aparente serenidade e perfeita compostura mantida do princípio ao fim por Hu Ziwei. pela sua figura frágil e comedida, pela sua solidão e teimosia entre os vários homens que a querem calar. não sei.

1.1.08

comentário a um comentário não comentado

foram muitos os mal-entendidos provocados pelo post 'asas' no qual pretendi fazer uma graça, aliás bastante imbecil, misturando os imaginários das expressões "água pelas barbas" e "asas para voar" com a palavra "rebarbativa" aplicada ao comportamento de uma das minhas filhas.
co-movida pelo comentário da 'manhã clara', enviei-o por email às minhas duas filhas perguntando-lhes qual delas se identificava com a miúda mínima e descalça com os pés no riacho. ambas me responderam completamente ao lado como se não tivessem percebido a minha pergunta. o que me levou a insistir, obtendo como resposta da filha propriamente referida, uma recusa liminar do incidente (da memória de tempos felizes?). não houve datas nem factos que a co-movessem a ver-se representada naquela imagem de felicidade.
depois foi a comentadora que protestou por eu não lhe ter comentado o comentário e me confessou o medo qe tinha sentido pela eventualidade de eu o ter achado piegas a mais ou sofisticado a menos, e outras 'simpatias' do género, para a gloriosa vulgaridade do meu blog. ao que eu respondi, muito genuinamente, que não tinha visto comentário algum a esse post mas que iria investigar.
agora sou eu que me pergunto a mim própria, sem conseguir encontrar resposta que não me pareça vir ao lado da pergunta, como é que consegui apagar tão radicalmente da minha memória um comentário que tanto me tinha feito pensar e recordar. sim porque quando respondi à mc que não tinha visto nada não tinha de facto visto nada. como é que se perde o rasto ao que se viu ou reviviu? se não for exactamente pelas mesmas razões daquela minha filha que não se conseguiu ver reflectida nas águas do ribeiro do penedo a rir ao lado da sua mãe?

p.s. sem saber muito bem porquê esta conversa fez-me lembrar um antigo poeminha chinês muito do meu agrado que diz assim (tanto com tão pouco):
quando
a água do canglang vai limpa posso lavar (as fitas d)o chapéu,
quando
a água do canglang vai suja posso lavar os pés.
para os oficiais do mesmo ofício, eis o original:
滄浪之水清兮,可以濯我纓,
滄浪之水濁兮,可以濯我足。

a noite do dia

entro verdadeiramente em estado de graça quando, cedo ou tarde na noite do dia, as luzes se apagam e ao desprazer agitado do esforço de ver se sucede o repousado prazer de escutar: acaba o trabalho de tentar agarrar as imagens do mundo (uma de cada vez se possível) por entre a multiplicidade de teias de aranha, sombras de nuvens, leves traços de chuva, moscas de tamanhos e formas diferentes, que nunca pára de dançar no meu olhar; e começa o refinado descanso de estar sentada a escutar o mundo.
as mais das vezes faço-o com a ajuda de uma telefonia ligada mas tambem não é raro fazê-lo com a telefonia desligada. das duas maneiras a escuta, mesmo a mais atenta e envolvida, nunca é penosa. sem vozes nem ruídos prévios e anteriores a si próprio, o processo de escutar é fácil e plácido.
à noite, o mundo deixa finalmente de se fazer caro e dificil, pára de me afastar, confundir e violentar; na escuridão, sentada a escutar, não sou eu a lutar pelo mundo, é ele que se me oferece sem exigir nada em troca.

one less is one more

31.12.07

a caminho de casa




no jardim da estrela 2



no jardim da estrela 1








viver (n)o presente: a passagem de mês


às agendas e calendários que enchem as chamadas passagens do ano prefiro os livros de anos (o meu é inglês daí que se chame birthday calendar) porque, embora ou por causa de, serem destinados a marcar os dias de anos, não "têm" anos.
enquanto que as agendas e calendários estão sujeitas ao tempo, tendo um período de validade de um ano apenas, o meu livro de anos que, como o nome indica, serve para todos os anos, vive fora do tempo na medida em que escapa à oposição temporal entre o passado, o presente e o futuro.
ou melhor, ele está no tempo de outra maneira. em vez de acumular anos usados, uns sobre os outros, numa pilha sem fim nem sentido, ele vai reciclando os diferentes doze meses, simultaneamente os continuando e transformando, uns nos outros, num processo permanente e presente.
é por isso que esta noite não vou despedir, por limite de idade, o ano de 2007, nem admitir o recém-nascido 2008 (afinal em que é que um ano 'novo' difere de um ano 'velho', para além da mera representação oral ou escrita de uma data?). vou é saudar o regresso de janeiro, isto é, vou celebrar a transformação da qualidade de dezembro - o mês em que, além do rodinhas, todos os anos fazem anos o mv, o re e o pva, na qualidade de janeiro - o mês em que a kainha e o tecoteco, além da mc, da lf e da ln.
não se pense que se trata de qualquer chinesice da minha parte. bem pelo contrário, o sentimento que me move não passa do mais comezinho medo da mudança e do desconhecido. enquanto que o mês de janeiro é um velho amigo - já o vivi tantas vezes que lhe conheço as qualidades, positivas e negativas, sei o que a sua natureza me permite e aquilo que me proibe, o ano de 2008 é um completo estranho - nunca o experimentei, desconheço a sua natureza (se é que os anos têm naturezas próprias), não tenho forma de saber o que ele me reserva. finalmente e tão importante quanto, a passagem de mês, pelo seu carácter cíclico e rotineiro, não me obriga a fazer balanços do que (não) fiz no passado nem planos que (não) farei no futuro. esta noite quero viver contente (n)o presente.

também há quem conte carneiros

o facto de os livros de telefones e moradas serem agora digitais facilitou a remoção dos "contactos" desactivados - na maioria dos casos pelo desaparecimento da pessoa-do-contacto, noutros pelo desaparecimento da relação com ela; o que, naturalmente, aumentou a eficácia da sua função mais imediata, enquanto mera lista de números e nomes de ruas "úteis". mas reduziu, de forma quase brutal, a sua função complementar de fonte, mais que todas fidedigna, para a reconstrução histórica da nossa pessoal; escrito a lápis ou a tinta, nenhum livro de telefones e moradas nos permite aldrabrar a nossa própria narrativa: quem passou por nós ficou lá inscrito (ainda que riscado ou apagado), quem não ficou inscrito é porque não passou.
é por isso que guardo com cuidado o velho livro de telefones e moradas de capa de carneira apesar de há uns anos ter deixado de usar (isto é, de actualizar a informação nele contida). nele ainda posso encontrar os nomes de todas aquelas e de todos aqueles cuja morte (desculpa ms por teres sido o primeiro), ou afastamento afectivo (quase sempre por desleixo meu, os amigos são como os caminhos, se não os percorremos, enchem-se de mato e acabam por desaparecer) apaguei do computador ou não copiei para o i-phone. a ele acabarei por recorrer, mais tarde ou mais cedo, para fazer a sério o que até agora apenas tenho feito a brincar, só de cabeça, durante as insónias, para ver se adormeço: contar os mortos da minha vida e ver qual a sua proporção em relação aos vivos.

less is more



o pensamento estratégico de la

em entrevista ao correio da manhã, o ministro português dos negócios estrangeiros (la) declarou que "o desígnio de portugal é o mundo". para ele, "portugal tem condições para capitalizar a grandeza que teve na sua história ao serviço do seu futuro". a solução de la é simples e económica sob todos os pontos de vista: "não temos de inventar nada porque a nossa riqueza está no passado". em vez de desejarmos o futuro, como defendem os poetas, esses revolucionários do presente, devemos antes ponderar nesta inteligente e ousada reflexão teórica. a fim de nos tornarmos capazes, individual e colectivamente, de aplicar na prática a máxima que tão bem lhe resume a letra e o espírito: " só temos de revisitar o nosso passado".

o ênfase não é de la (mas de ca)