8.8.09

a dinâmica da geologia

gosto das praias que, como a minha, me mostra, todos os anos, o seu próprio processo de transformação: as mesmas arribas apresentam sempre configurações diferentes; nas falésias, novas feridas, ainda em carne viva, feitas pelas chuvas invernais, revelam velhas raízes já de madeira morta; cantos de sombra generosos acanham-se até quase desaparecerem, espaços desareados no verão passado estão agora areados, rochas pedras que antes estavam em seco aparecem debaixo de água.

não foi a pensar na ts que escrevi este post mas já agora gostaria de lho dedicar.


7.8.09

área das humanidades

por via das pessoas que se encontra e com as quais se pode conversar, gosto de andar de eléctrico, de autocarro e sobretudo de táxi. mas não desdenho outros locais de concentração popular como os parques e os jardins por exemplo.
agora, que estou na praia, reparo que o termómetro, com que diariamente verifico a temperatura da água do mar, constitui um instrumento de interacção social tão interessante como a criança, que se leva no carrinho, ou o cão que se passeia pela trela. há dias em que ainda não cheguei à beira mar e já lá tenho pessoas à minha espera. ou melhor, à espera do meu termómetro.
as conversas por ele encetadas, em muitas e desvairadas línguas - embora os portugueses pareçam ser a etnia que mais interesse mostra pela temperatura da água - raramente são sem consequência. no dia seguinte já se diz bom dia e três dias depois estamos a partilhar ameixas ou a trocar uvas por bolas de berlim.
claro que isto só funciona quando se está na praia sem companhia: basta ir com um amigo ou com uma namorada para ninguém se aproximar de nós.

6.8.09

viva o nelson

sobre "a vulgaridade da glória"

1. o conteúdo dos posts não obedecem a qualquer lógica senão a das associações que logicamente têm uma lógica imensa (só que nem sempre acessível ao associador...)
2. os títulos de que falas: aqui a lógica é mui deliberada e consciente mas a maioria das vezes tão retorcida e subjectiva que os "leitores" não a podem, efectivamente, identificar. nem creio que lhes interesse.
dou exemplos claro: a) garageband é programa de música do mac, que conheci há pouco tempo, em circunstâncias especiais; titula música ao som da qual, na minha adolescência, dancei vezes sem fim em "bailes" feitos na garage desta casa, garagem sobre a qual tinha nesse dia (passado a ouvir o "tom dooley") falado ao telefone com uma amiga. b) double birthday alude ao aniversário dos meus pais que faziam anos ambos no mesmo dia (esse).
quanto ao tema, comum aos dois posts (a humana condenação à morte) parece-me evidente para a estar aqui a desdobrar nos seus vários aspectos. mas acentuo outro fio para desfiares as vulgaridades: é que muitas vezes post puxa post. tal como acontece com as palavras, a sua única energia-matéria.
3. sim, tens razão, a alusão é a chave que (não) abre esta escrita; mas não sei se vem da chinha ou se é só minha...

respondidos todos os quesitos, atrevo-me a deixar dois comentários:
a) nunca te esqueças que não tens a obrigação de me ler aqui. nem, for that matter, em qualquer outro lugar...
b) não publico o teu email, como me apetecia e tanto sentido fazia, mais por modéstia natural do que por "orgulho intelectual"

em branco ou num black hole

gosto de saber que as praias são "lindas e ventosas", vejo o vento no teu cabelo e a distância nos teus olhos.
mas o resto? a casa é virada a sul ou a poente? ouves o vento à noite na cama? por que cores passa o mar durante o dia? de onde vês a lua cheia? quem acorda contigo de manhã? a tua janela fica aberta aos perfumes da madrugada ou fechada aos últimos frios e primeiras claridades? há sombras nos caminhos que percorres? que vegetação os bordeja e quem a cultiva ou abandona? ouvem-se os ralos quando o sol está pique? distingues a alfarroba na masala de cheiros espalhada pelo entardecer?
sem resposta a estas e outras perguntas não te consigo representar (a mind's eye só funciona no figurativo). o que me deixa como se te tivesse perdido.

3.8.09

(vi)ver

nos dias em que faço a cama sinto uma tal satisfação por ver o quarto arrumado que à noite, sem coragem para desfazer o arranjo, fico a dormir no sofá da sala.
a mesma filosofia na horta: deixei secar o único morango que nasceu este ano no único morangueiro do quintal para não estragar o que me parecia ser uma imagem da mais delicada perfeição vegetal.
também me acontece fazer comida, distribui-la por caixas de plástico, arrumá-las criteriosamente no frigorífico e depois ficar tão fascinada com a imagem das suas prateleiras impecavelmente arrumadas e coloridas, que acabo a comer sanduíches para não destruir o equilíbrio alcançado.
a mesma atitude museológica me atacou quando depois de arrumar os sapatos nas caixas de design limpo e rigoroso compradas na ikea, passei a andar quase sempre de chinelos.
ou hoje, dia em que comecei a comer com as colheres, garfos e facas desirmanadas (da cozinha) depois de ter procedido à separação, organização e classificação dos talheres "melhores" consoante o seu "faqueiro" de origem e a função a que se destinam.

canto V, 121-123

Nessun maggior dolore
Che ricordarsi del tempo felice
Nella miseria.

2.8.09

as duas velhas senhoras

têm ambas mais de 80 anos e uma é a patroa a outra a criada.
a patroa, preocupada com a saúde da criada, ainda a convalescer de uma delicada cirurgia ao coração, não a deixa fazer qualquer trabalho doméstico.
hoje ao fim do dia, apanhou-a a varrer o terraço e zangou-se: então está a varrer? mas quantas vezes é que eu já lhe disse para não fazer esforços nenhuns?!
a criada, que há muito deixou de obedecer à patroa, continuou a tarefa como se nada lhe tivesse sido dito.
sem perder a sua compostura de senhora, a patroa passou à ameaça: eu já não digo mais nada mas se você continuar a trabalhar eu não lhe pago o subsídio de férias.
a criada, interrompeu por momentos a sua aparente rêverie vespertina, levantou os olhos do chão e comentou num tom bastante blasé : olhe que isso é que me há-de fazer uma grande diferença!