30.3.11

verei

o que me dizem as cartas.

sei, no entanto que o que as cartas dizem não diz nada se eu não disser o que lá está dito. o que só acontecerá se conseguir situar-me inteiramente no presente, impedindo a memória, sempre tão viva, de se intrometer.

este é um pequeno trabalho para o tempo de grande crise: dizer(-me agora) o que (então lhe-)disse. dizer o que disse. tarefa simultaneamente impossível e inevitável. assim é a língua que, ao dizermo-nos, nos diz.

parece

um teste ao meu agnosticismo.

ontem

cozinho. a cozinha.
velo. a vela.
gosto. o gosto.
40's, 50's, 60's e 70's.
e uma disse que se lá por se ser velho não se deixa de ser novo.
o que as outras três, talvez todas, sentiam ou pressentiam ser verdade. a verdade, o que é dizer os afectos, sendo, mesmo tempo, a raiz e a flor das suas conversas. jogo. o jogo.
só por acaso eram quatro. o número dado era o  três que, como se sabe é produzido pelo dois. o terceiro sexo como paisagem lembras-te?

28.3.11

a crise

era uma pessoa muito poupada. aproveitava todos os restos dos dias para cozinhar o seu dia a dia. aos dias, propriamente ditos, guardava-os ao abrigo da luz, para os usar em ocasiões especiais como o casamento de um neto ou o funeral de uma amiga.

o gargalo da garrafa

não é silêncio, é gaguez, não é preto e branco, é desbotado,  não é invisível, é sem dimensão, não é generosidade, é falta de vontade, não é contemplação, é cegueira, não é repouso, é paralisia, não é sabedoria, é sensaboria. é não é?

dia Llansol

- tu bem me tinhas avisado, eles são mesmo uma seita.
- uma heresia não é? como de resto ela nos ensina quando escreve ora voando ora heresiando...
- sim, pode-se dizer que sim, é uma escritura heresiante.

mobilando

é mulher, demora-se com as toalhas turcas de casa de banho: primeiro tenta tornar evidente a combinação d(e todas) as cores; depois imagina os modos, inimagináveis, da sua dobradura.
é velha, deixa-se ficar sentada, muito ao de leve, na borda da banheira: as mãos ainda cheias de cores macias, os olhos já re-pousados na de-morada contemplação do futuro, reflectido, ao pormenor, no vidro das prateleiras.