21.4.07

presente de anos: sol lewitt





o que nestes trabalhos me interessa: a prática e o uso do desenho como pintura, a expressão geométrica do pensamento, a re-utilização das paredes e, consequentemente, a total efemeridade das inscrições, o relativo afastamento do produtor em relação ao seu produto (mas não da produção pois os desenhos eram executados a partir de precisas instruções escritas de le witt): onde encontar, nestes desenhos, o traço do artista? a não ser, claro, na escrita das instruções como a que acompanhou a sua caixa do tempo

20.4.07

augúrio antroponímico?

de clarinha em clarinha passaram 38 anos...

como eu não acordei hoje


nem trabalhadora nem modelar

entre os mais de 100 trabalhadores-modelo da rpc, conta-se a jovem fandilina'er, do grupo da danças e cantares do xinjiang, aqui no alto duma torre na praça tian'anmen, em pequim (Xinhua)

18.4.07

as viagens dos dias

depois da turbulência atmosférica durante o longo voo do dia de ontem
- encontro matinal, no palácio de justiça, com uma plácida deolinda e um vizinho carlos adormecido, gorado por um superhomem mal-disposto
- espera em vão, em plena bomba, por que o sr. alvaro acabasse a aula de fisioterapia que dava à mãe pelo telemóvel, para vir comigo à pm
- discussão inútil, na pm, por altura do meio dia, sobre a paragem dos carros em espinha, lutas de moradores/parcadores, prédios sem garages e moradores com cataratas
- assinatura do documento de doação do carro e entrega subsequente dos documentos e da chave, gesto que o polícia teve a lata de agradecer
- passeio pela cidade fora da cidade que é a da praça de espanha e café tomado numa das suas esplanadas, meditando sobre a questão da ambivalência
- já no chamado local de trabalho, procura, de entre uma lista de mais de duas dezenas, do motivo por que chegara atrasada (não constando a participação num julgamento nem a doação ao estado do seu único automóvel, optei por pôr a cruz em "motivos não imputáveis ao trabalhador" mais capaz de descrever o meu estado de espírito do que o mais aberto "outros"
- comida do segundo papo-seco do dia a rever os tópicos da aula que iria dar ao fim do dia
- tempo vazio de pensamento ou desejo, no túnel da politécnica, que em contraste com o do marquês, abriu muito antes de ser construído, entre as 2 e as 6
- rápida reactivação mental e emocional, no taxi, com a conversa de blogues e taxis
- terceiro papo-seco, no bar da faculdade de economia e prazer da voz doce do g. no tm
- trabalho motivado e motivante com os alunos - o exaltante prazer da criação, troca e discussão de ideias. 3 horas que pareceram 3 minutos
- regresso ao bairro marcado por uma inesperada reflexão sobre as divergências internas no seio do islão (proposta por um inteligente e informado motorista de taxi)
- desembarque na rua por trás da minha onde a marta wengorovius inaugurava uma nova exposição (mise a nu par le soleil). o deleite imenso de ver amigos, aqueles de que se gosta muito entre outras coisas, talvez sobretudo, porque a sua amizade vem de longe, i. é., dos tempos felizes)
- lá dentro, uma convoluta e ascendente linha verde fez-me subir e uma linha direita muito amarela fez-me entrar. por estes dois leves movimentos de alma tenho tudo a agradecer à marta
- janelas abertas ao ar fresco da noite na cidade, em casa do m. dentro os amigos mais uma vez, os vivos claro mas também os mortos.todos lado a lado à roda da comida e do vinho e das conversas entre-cortadas
- boleia a pé do outro m. a caminho, cada um de sua casa, ambos deliciados pela frescura refinada do vento na pele da cara e dos braços
-sonho que acordo e me levanto para entrar na sala da frente onde vejo pendurada a grande tela branca onde a marta pintou a brecha vertical muito amarela que agora se abre para eu entrar aflita e fascinada
vem a calmaria registada na curta viagem de eléctrico de hoje

wu cheren (sequelas)

lá doar o carro doei mas que me doeu doeu.
bem posso ter depois encontrado a praça de espanha (tão bem des-coberta antes de mim neste artigo) mas a verdade é que tinha antes perdido um automóvel que nenhum texto em prosa ou poesia me pode devolver. um automóvel que, como provavelmente acontece com todos os automóveis, era também um complexo objecto simbólico do dono.
por um lado, este meu carro nunca deixou (para o bem e para o mal) de ser o carro do meu pai: angustiava-me absurdamente deixá-lo parado longe de casa e, estupidamente, sentia uma leveza tranquila quando o conseguia parar em frente da porta. sentia culpa por o levar por caminhos maus (e por maus caminhos também) e sofria verdadeiramente por "ter" de o emprestar a amigos da r. que imaginava a tratarem-no à bruta, "relaxados" como diria o seu legítimo dono... ultimamente, a revisão dos 600 euros (que o tinha posto num brinco) tinha funcionado, para os meus fantasmas, como uma visita ao cemitério durante a qual tivesse conseguido estar sentada um pouco com a mão na pedra branca.
por outro lado, enquanto auto-móvel, ele permitia-me a euforia da autonomia pessoal (ou do sentimento dela) no contexto generalizadamente disfórico de tantas e tão variadas (e desvairadas) dependências pessoais e sociais: enquanto último representante de uma ilustre família (que ia do citroen 2 cavalos comprado ao sr. fazenda, ao citroen AX herdado do sr. trigoso), o ter-carro garantia-me como que a permanência no mundo dos adultos (tão desejado na infância e onde tanto tenho gostado de estar. mundo (da geração) do poder cuja entrada é assinalada (na classe social de onde falo, pelo menos) pela conquista dO carro e cuja saída (a entrada na geração declinante) é acompanhada pela sua rendição.
enfim há sempre, e até inconscientemente muitas vezes, a dinâmica da vida e do prazer. acompanhada ou não pelas palavras da sophia sobre a morte e as ruínas serem sempre sempre vencidas pela força dos sonhos num processo repetido que impede as "nossas" mãos de ficarem vazias. e daí a praça de espanha e o alívio de não ter carro, nem de pagar seguros e selos. e a esperança das poupanças que vou fazer a andar de táxi. até já imagino que posso incluir a minha doação no IRS. não é verdade que, por lei, as doações são dedutíveis nos impostos?
para além destas irrelevantes considerações sentimentais, registo ainda a minha continuada perplexidade pelo estado absolver o condutor-prevaricador (do pagamento das multas devidas pelas infracções cometidas) desde que ele esteja disposto a doar-lhe nada mais nada menos do que o próprio instrumento do crime. perceberia a lógica do estado em condenar-me (a pagar muitas multas, a entregar a viatura, no limite a ir para a prisão); não percebo que ele me perdoe em troca de um "negócio" com o qual ele fica a ganhar materialmente (o carro valia mais do que as multas todas juntas)e eu a perder material e moralmente (cometi várias infracções e fiquei impune).

17.4.07

wu cheren

direi "carro doado ao estado" ou "carro roubado pelo estado"? e fará diferença? ainda vou pensar.