16.10.10

upgrade

- não, não é um falhado é apenas (um) infeliz! disse ela.
apesar de ser evidente o crescimento da ideia, tida e mantida pela psicologia pop, de que cada um de nós consegue construir a sua própria felicidade, ainda é possível, a muitos dos nossos infelizes, viverem em paz com a sua infelicidade, sem terem de se sentir responsáveis por ela.
a natural constatação de que não se tem, ou não se teve, sorte na vida - nos filhos que se gerou, nos empregos que se obteve, nos casamentos que se fizeram - ainda permite a qualquer infeliz gozar a sua infelicidade sem ter de pagar, por ela, a imensa e horrível dívida da culpa.
talvez não por muito mais tempo, though. já que a figura do falhado tende a substituir a figura do infeliz. e, subjacente à figura do falhado está a ideia de que cada qual é responsável, o único responsável, pelo seu próprio sucesso na vida -  seja lá isso o que for e seja isso aferido a que nível da vida o for (a profissão, a família, a sociedade). ao domínio, impiedoso, de essa tão almejada "agência" ninguém pode escapar: um falhado, qualquer falhado, falha sempre por falha própria, não há como dar-lhe a volta. o azar, a doença, o destino, até o mero acaso, podem justificar a infelicidade do infeliz mas nenhumas dessas atenuantes pode remir, aos olhos do falhado, o seu próprio falhanço.*
assusta-me, confesso, a facilidade com que, hoje em dia, os que dantes eram tidos e se (man)tinham a si próprios como uns meros infelizes, são agora tomados, e se tomam a eles próprios, como uns verdadeiros  falhados.

* embora e talvez, paradoxalmente, a sorte, ao contrário do azar, seja mais facilmente usada para justificar o sucesso do que a felicidade.