4 years ago
1.9.07
"vai e vem"
caraças que filme. a busca de uma imagem que me ajudasse a guardar a memória desta experiência de cinema, fez-me ir parar ao site do próprio filme. onde há fotos mas tão reduzidas que não são visíveis se postas no blog. há, no entanto, um conjunto divertido de críticas, nacionais e internacionais, que são legíveis via blog.
a mais vellha blogueira do mundo
"redacted"
um dos 8 filmes norte-americanos sobre a guerra no iraque que estão para sair e um dos 2 em competição no festival de veneza, foi realizado a partir de materiais produzidos pelos próprios soldados norte-americanos e publicados na internet. sobre o título (que aponta para como os media mainstream não contam a verdadeira história da guerra escondendo da opinião pública as suas imagens mais gráficas) comenta o seu realizador, brian de palma: "the great irony about Redacted is that it was redacted."
31.8.07
beleza absoluta
era tarde na tarde. já não estava ninguém nos gabinetes próximos. só eu ainda resistia ao calor e ao cansaço. os olhos ardiam-me, semi-fechados por causa da luz estúpida do computador mas ainda assim não os tirava da página aberta em frente de mim. ouvi um passo leve aproximando-se e levantei os olhos, por cima do computador. à frente deles estava uma cara de pele muito preta na qual brilhava desmesuradamente o branco limpo de uns olhos enormes. se o meu cumprimento não tivesse sido correspondido eu teria duvidado da realidade da visão. não é habitual, pelo menos para mim, que a beleza, irrompa assim, num grau praticamente absoluto, nos locais onde trabalham os mortais.
não foi em vão que durante todo o dia seguinte esperei pelo fim da tarde. a rapariguinha voltou a aparecer leve e cerimoniosa como no dia anterior. ainda mais dolorosamente bonita. ' vou pedir-lhe se me deixa tirar-lhe uma fotografia' pensei. mas assim como apareceu ela voltou a desaparecer.
ao terceiro dia só nos cruzámos no corredor. pela farda que tinha vestida percebi que trabalhava na empresa de limpezas. e também, naturalmente, que se tratava de uma princesa vivendo na clandestinidade. foi assim que a levei comigo para férias.
ontem, de regresso ao trabalho, esperei pela sua chegada. depois de nos cumprimentarmos, cerimoniosamente como das vezes anteriores, não resisti: "já alguém lhe disse que você era muito, muito bonita?" ela parou de aspirar, levantou os olhos e hesitou, a sorrir meia-envergonhada, durante muito tempo: "sim...já". eu repeti: "é que não é muito vulgar a gente na nossa vida encontrar pessoas assim tão esplendorosamente bonitas..." e logo avancei: "importava-se que eu lhe tirasse uma fotografia?" não só não se importava como se ofereceu para amanhã (hoje) me trazer ela própria uma fotografia sua. iniciada uma conversa fácil, soube que a minha princesa tinha 20 anos, era nascida e crescida no reino de são tomé, e preparava-se para entrar num curso de psicologia, em lisboa. soube também que hoje é o último dia em que posso descansar o meu olhar cansado e ardido do fim do dia na doçura do seu sorriso cerimonioso e na escuridão brilhante da sua pele - porque em setembro começa as aulas e deixa de trabalhar nas limpezas. tirei-lhe a minha fotografia e fiquei a aguardar que hoje ela me traga a dela.
não foi em vão que durante todo o dia seguinte esperei pelo fim da tarde. a rapariguinha voltou a aparecer leve e cerimoniosa como no dia anterior. ainda mais dolorosamente bonita. ' vou pedir-lhe se me deixa tirar-lhe uma fotografia' pensei. mas assim como apareceu ela voltou a desaparecer.
ao terceiro dia só nos cruzámos no corredor. pela farda que tinha vestida percebi que trabalhava na empresa de limpezas. e também, naturalmente, que se tratava de uma princesa vivendo na clandestinidade. foi assim que a levei comigo para férias.
ontem, de regresso ao trabalho, esperei pela sua chegada. depois de nos cumprimentarmos, cerimoniosamente como das vezes anteriores, não resisti: "já alguém lhe disse que você era muito, muito bonita?" ela parou de aspirar, levantou os olhos e hesitou, a sorrir meia-envergonhada, durante muito tempo: "sim...já". eu repeti: "é que não é muito vulgar a gente na nossa vida encontrar pessoas assim tão esplendorosamente bonitas..." e logo avancei: "importava-se que eu lhe tirasse uma fotografia?" não só não se importava como se ofereceu para amanhã (hoje) me trazer ela própria uma fotografia sua. iniciada uma conversa fácil, soube que a minha princesa tinha 20 anos, era nascida e crescida no reino de são tomé, e preparava-se para entrar num curso de psicologia, em lisboa. soube também que hoje é o último dia em que posso descansar o meu olhar cansado e ardido do fim do dia na doçura do seu sorriso cerimonioso e na escuridão brilhante da sua pele - porque em setembro começa as aulas e deixa de trabalhar nas limpezas. tirei-lhe a minha fotografia e fiquei a aguardar que hoje ela me traga a dela.
30.8.07
sem título
face à inviabilidade da intimidade, optámos pragmaticamente por uma relação de extimidade.* com o tempo se verá se a nova relação 'funciona', isto é, se continua a ser uma 'relação'.
* neo-logismo no qual tropecei, não sei quando nem onde, cujo autor (desconhecido) só pode ser um génio
* neo-logismo no qual tropecei, não sei quando nem onde, cujo autor (desconhecido) só pode ser um génio
festival das almas
vem a propósito pensar noutras formas de celebração das almas
BBC News Player - Taiwan holds ghosts festival
BBC News Player - Taiwan holds ghosts festival
memória restaurativa: a festa de despedida
os convidados regressaram na manhã seguinte, uns mais cedo, outros nas chamadas horas decentes. a maioria chegou receosa, cara séria e voz grave, mostrando perplexidade, senão mesmo medo, pelo (inevitável) ambiente festivo de qualquer casa aberta a uma manhã de sol e mar, ao vinho e à música. aberta à amizade. alguns poucos, que já vinham à espera do que iam encontrar, entraram natural e tranquilamente na sala e no quarto. aceitaram e ofereceram vinho, ouviram e puseram música, aproximaram-se e tocaram, com gestos diferentes, as duas almas residentes. entre os outros, houve os que permaneceram sempre defendidos da força das almas residentes, escondendo-se entre si; e houve os que aceitaram e se abriram e partilharam a sua alma. o que, ao reforçar a alma da casa, pode explicar o facto de, nove anos depois, a sua força continuar inalterada. mais para o fim da manhã, como previsto, apareceu o oficiante contratado a quem tinha sido pedido para dar o mote à reunião geral, antes da saída de casa. tarefa que ele cumpriu honestamente sem suspeitar que o segredo, isto é, a religação promovida pela sua presença, era da ordem do pensamento mágico tendo a ver apenas com o nome da sua paróquia. cá fora, no largo poeirento, quando o cortejo automóvel iniciou a sua marcha - era o dia 30 de agosto, passava do meio dia e o sol, a pique, fazia o mar faiscar - não havia um traço da feira que todos os dias o polui: todas as barracas de venda, quiosques de jornais, cafés de águas e gelados, estavam fechados, os produtos recolhidos, os alti-falantes desligados.
memória restaurativa: o velório mútuo
há nove anos, na casa com alma, janelas e portas abertas para o mar e para a noite, duas almas repousaram abraçadas: uma quente e pesada, a outra leve e fresca, mas ambas (co)movidas pela improvável conjugação do requiem de mozart com os gritos das gaivotas. a que bebia pequenos golos de vinho tinto ponderava na (i)rrealidade do mundo, a que via a outra beber, encarnava essa própria realidade.
memória reflexiva: a oração fúnebre
Pater noster
Notre Père qui êtes aux cieux
Restez-y
Et nous nous resterons sur la terrre
Qui est quelquefois si jolie
...
Toutes les merveilles du monde
Qui sont là
Simplement sur la terre
Offertes à tout le monde
Éparpillées
Émerveillées elles-même d'être de telles merveilles
Et qui n'osent se l'avouer
...
Avec les épouvantables malheurs du monde
Qui sont légion
Avec leurs légionnaires
Aves leur tortionnaires
Avec les maîtres de ce monde
Les maîtres avec leurs prêtres leurs traîtres et leurs reîtres
...
Avec la paille de la misère pourrissant dans l'acier des canons.
Notre Père qui êtes aux cieux
Restez-y
Et nous nous resterons sur la terrre
Qui est quelquefois si jolie
...
Toutes les merveilles du monde
Qui sont là
Simplement sur la terre
Offertes à tout le monde
Éparpillées
Émerveillées elles-même d'être de telles merveilles
Et qui n'osent se l'avouer
...
Avec les épouvantables malheurs du monde
Qui sont légion
Avec leurs légionnaires
Aves leur tortionnaires
Avec les maîtres de ce monde
Les maîtres avec leurs prêtres leurs traîtres et leurs reîtres
...
Avec la paille de la misère pourrissant dans l'acier des canons.
memória reflexiva: a procissão fúnebre
Chanson des escargots qui vont à l'enterrement
A l'enterrement d'une feuille morte
Deux escargots s'en vont
Ils ont la coquille noire
Du crêpe autour des cornes
Ils s'en vont dans le soir
Un très beau soir d'automne
Hélas quand ils arrivent
C'est déjà le printemps
Les feuilles qui étaient mortes
Sont toutes ressuscitées
Et les deux escargots
Sont très désappointés
Mais voilà le soleil
Le soleil qui leur dit
Prenez prenez la peine
La peine de vous asseoir
Prenez un verre de bière
Si le cœur vous en dit
Prenez si ça vous plaît
L'autocar pour Paris
Il partira ce soir
Vous verrez du pays
Mais ne prenez pas le deuil
C'est moi qui vous le dis
Ca noircit le blanc de l'œil
Et puis ça enlaidit
Les histoires de cercueils
C'est triste et pas joli
Reprenez vos couleurs
Les couleurs de la vie
Alors toutes les bêtes
Les arbres et les plantes
Se mettent à chanter
A chanter à tue-tête
La vraie chanson vivante
La chanson de l'été
Et tout le monde de boire
Tout le monde de trinquer
C'est un très joli soir
Un joli soir d'été
Et les deux escargots
S'en retournent chez eux
Ils s'en vont très émus
Ils s'en vont très heureux
Comme ils ont beaucoup bu
Ils titubent un p'tit peu
Mais là-haut dans le ciel
La lune veille sur eux.
A l'enterrement d'une feuille morte
Deux escargots s'en vont
Ils ont la coquille noire
Du crêpe autour des cornes
Ils s'en vont dans le soir
Un très beau soir d'automne
Hélas quand ils arrivent
C'est déjà le printemps
Les feuilles qui étaient mortes
Sont toutes ressuscitées
Et les deux escargots
Sont très désappointés
Mais voilà le soleil
Le soleil qui leur dit
Prenez prenez la peine
La peine de vous asseoir
Prenez un verre de bière
Si le cœur vous en dit
Prenez si ça vous plaît
L'autocar pour Paris
Il partira ce soir
Vous verrez du pays
Mais ne prenez pas le deuil
C'est moi qui vous le dis
Ca noircit le blanc de l'œil
Et puis ça enlaidit
Les histoires de cercueils
C'est triste et pas joli
Reprenez vos couleurs
Les couleurs de la vie
Alors toutes les bêtes
Les arbres et les plantes
Se mettent à chanter
A chanter à tue-tête
La vraie chanson vivante
La chanson de l'été
Et tout le monde de boire
Tout le monde de trinquer
C'est un très joli soir
Un joli soir d'été
Et les deux escargots
S'en retournent chez eux
Ils s'en vont très émus
Ils s'en vont très heureux
Comme ils ont beaucoup bu
Ils titubent un p'tit peu
Mais là-haut dans le ciel
La lune veille sur eux.
29.8.07
Flight booking: Confirmation
| Booking reference: | | ||
| Please print and take this booking confirmation with you to the airport. It may speed up your check-in experience. | |||
Miss RVA ... is flying on: | ||||
| Thursday 13 September Check in opens Thu 13 Sep 15:40 | London Luton To Lisbon flight 2369; dep. Thu 13 Sep 17:40 |
mise à nu par la lune
depois de perguntar a várias pessoas onde é que 'nascia' a lua, a m. constatou que as respostas vinham geralmente acompanhadas por movimentos através dos quais o corpo parecia tentar situar-se no universo. na sua busca de 'desenhos' em construção, a m. convocou 50 amigos para, numa praia à beira da serra da arrábida, escolherem o ponto de onde pensavam poder ver surgir a lua (ontem cheia). na hora em que já não é dia mas também ainda não é noite, cada participante recebeu um olho (5º 'olho' da m.) cujo número de série registou, acompanhado do nome, num caderninho preto circulante (olho que fica à sua guarda até ao fecho do evento, no lux, em data a combinar). como por milagre, a lua começou a subir mesmo em frente do local onde eu tinha colocado a minha cadeira (atrás dum rochedo para me proteger do vento gelado). de enorme cículo transparente e translúcido depressa passou a grande bola rosada, para depois perder tamanho e mudar de cor (primeiro dourada e depois prateada). ao recortar o mundo com os meus três olhos (ou, dito de outra forma, com dois olhos e uma moldura) dei comigo na snba, onde tinha 8 anos e fechava a mão direita, a fazer um óculo que colocava em frente do olho direito em imitação do meu avô. da grande sala da barata salgueiro voltei à pequena praia da anicha onde, sem saber bem como, acabei sentada a uma mesa muito comprida, com gente de várias idades e línguas, partilhando uma honestíssima massada de peixe, vinho branco devidamente gelado e azeitonas bem temperadas. a ida e a vinda, ainda que em carros diferentes e com motoristas distintos, ficou marcada pela mesma jovem comissária/curadora.
o sobrinho de wittgenstein (3)
ao recomendar-me este romance, o fg relacionou a sua escrita com a música. o que me fez sentido logo a partir das primeiras páginas. no entanto, e talvez por causa dessa proximidade estrutural, a minha experiência de leitura tem-se aproximado mais da dança. hoje, sentada num banco de jardim, livro aberto no colo, rodopiei, rodopiei, rodopiei ... durante quase duas horas.
o sobrinho de wittgenstein (2)
thomas bernhard é o nome de um romancista austríaco cuja 'descoberta' (por via de um amigo a quem não sou capaz de pagar na mesma moeda) me parece capaz de se vir a transformar em marco na história da minha relação com a literatura: a um tempo TBbc irá talvez seguir-se um tempo TBac. de momento estou num limbo temporal uma vez que já fui projectada para fora de um tempo sem ainda ter construído um lugar no outro.
28.8.07
ética de vida do agnóstico
do post (sobre a saída de cena de EPC) hoje publicado pelo rt em pobre e mal agradecido transcrevo: (...) o agnóstico não é só aquele que não sabe o que acontece depois da morte. É aquele que, uma vez que não sabe o que vem depois, vive como se esta vida fosse a única.
Não vá dar-se o caso de não haver mais nada depois, tomemos pelo menos esta por garantida (...) Para o agnóstico, contudo, sofrimento é desperdício. Este pode não ser o melhor de todos os mundo possíveis; mas é o que há. E sabê-lo parece-lhe uma libertação.
(...) Para o agnóstico, desanimar seria perder tempo. E perder tempo nunca significa só perder tempo; é perder a vida. O sentido da vida é vivê-la.
Não vá dar-se o caso de não haver mais nada depois, tomemos pelo menos esta por garantida (...) Para o agnóstico, contudo, sofrimento é desperdício. Este pode não ser o melhor de todos os mundo possíveis; mas é o que há. E sabê-lo parece-lhe uma libertação.
(...) Para o agnóstico, desanimar seria perder tempo. E perder tempo nunca significa só perder tempo; é perder a vida. O sentido da vida é vivê-la.
nove anos
hoje, nove anos depois de nos termos visto pela última vez, não sei se nove anos é muito ou pouco tempo. até porque esta continuada presença da tua ausência mudou a minha experiência do tempo: de uma sucessão de momentos distintos e pessoais, o tempo passou a ser a tranquila duração da realidade do mundo. apesar de agosto ser o mês de todas as separações, quando ele acabar, no pincípio de setembro, nada será muito diferente daquilo que já era no final de julho, quando ele começou.
identidade pessoal como falus?
ler isto (do pm em estado civil)
Lacan tem aquela frase extraordinária que cito muitas vezes: «O amor é darmos uma coisa que não temos a alguém que não precisa dela». O mesmo Lacan também explicitou que amamos no outro precisamente aquilo que ele não tem. E o outro fica fascinado com esse objecto de fascínio que é aquilo que imaginamos nele. O que o outro deseja não é aquilo que lhe podemos dar, mas aquilo que imaginamos nele. E que de facto não existe.
fez-me perceber o que me incomoda na relação com certas pessoas (com as quais é suposto ter uma relação de amor): não me sentir imaginada (por elas)isto é, não me imaginarem como eu desejo (preciso de?) ser (imaginada).
não, acho que não é só uma questão de falus. nem sequer sei se chega a ser uma questão de falus (pelo menos o que eu estou a dizer). talvez tenha mais a ver com a identidade pessoal, resultado de permanentes e sempre difíceis negociações entre o eu e o outro.
Lacan tem aquela frase extraordinária que cito muitas vezes: «O amor é darmos uma coisa que não temos a alguém que não precisa dela». O mesmo Lacan também explicitou que amamos no outro precisamente aquilo que ele não tem. E o outro fica fascinado com esse objecto de fascínio que é aquilo que imaginamos nele. O que o outro deseja não é aquilo que lhe podemos dar, mas aquilo que imaginamos nele. E que de facto não existe.
fez-me perceber o que me incomoda na relação com certas pessoas (com as quais é suposto ter uma relação de amor): não me sentir imaginada (por elas)isto é, não me imaginarem como eu desejo (preciso de?) ser (imaginada).
não, acho que não é só uma questão de falus. nem sequer sei se chega a ser uma questão de falus (pelo menos o que eu estou a dizer). talvez tenha mais a ver com a identidade pessoal, resultado de permanentes e sempre difíceis negociações entre o eu e o outro.
27.8.07
o sobrinho de Wittgenstein (1)
eis uma das várias diferenças que, ao mesmo tempo, os separavam e uniam: enquanto que o tio publicou o seu cérebro, o sobrinho praticou o seu cérebro.
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