18.10.08

frase do dia

"não há nada mais difícil do que uma vida normal" escreve pedro mexia, na sua crónica "a minha audrey" publicada hoje, no público.

17.10.08

Yi Yi

por mais vezes que veja este filme não saberei nunca se foi a neta que sonhou com a avó se foi a avó que sonhou com a neta.
nem interessa, pois aqui o importante é a borboleta...
ao indiferenciar a vida da morte, a borboleta de edward yang garante a continuidade no seio da transformação: desde logo de uma linhagem familiar; mas também, e talvez sobretudo, de uma linhagem cultural cujo pensamento é mais do processo do que do tempo e no seio da qual está uma consciência muito enraizada de que só o relativismo nos permite algum optimismo.

it's a wonderful world

enquanto "família" individada, recebo regularmente apetecíveis ofertas de dinheiro rápido e cómodo: nada tenho de fazer para além de escolher o montante, os benfeitores se encarregando de o depositar na minha conta, na hora ou no dia. o empréstimo é geralmente sem juros e amortizável a tão longo prazo que as prestações são, na opinião dos benfeitores, irrelevantes.

há uns bons anos, num ano mau, aceitei um empréstimo destes (300 euros do cartão jumbo) que ainda estou a pagar, de facto em prestações tão suaves que não dá bem para perceber que já devo ter pago 600 ou 700 euros por ele.

outro dia estava eu no sapateiro a comprar palmilhas quando toca o telemóvel. era um senhor do cartão jumbo a anunciar a boa nova de que me tinha sido alargado o plafond pelo que eu podia renegociar a minha dívida (sic) desde que pedisse mais outra maquia. inicialmente respondi desabridamente que não queria nada mas depois, lembrei-me da falta de liquidez com que a minha família se debate para pagar o irs e não desliguei o telefone.

no dia seguinte tinha os mil euros na conta. ou melhor tinha tido pois o banco se tinha pago do saldo negativo da conta deixando-a reduzida 2 euros e 60 cêntimos positivos.

uns dias depois recebo uma carta da ikea na qual, além do cartão da loja, vem uma carta a anunciar que, para além de todas as vantagens do dito cartão, eu poderia agora dispor imediatamente, na minha conta, de todo o valor do seu plafond. para isso bastava telefonar para determinado número. entre o incrédula e divertida, a família telefonou logto para o dito número. foi atendida por um gravador que lhe disse que se quisesse isto marcasse aquilo e se quisesse aquilo marcasse isto. a família marcou o que queria a mesma voz humana virtual pediu-lhe para "digitar" o número do cartão e o montante pretendido. o que ela fez assim provocando o aparecimento, na sua conta, de mais 600 euros.

não lhe chega ainda para pagar o irs cujo prazo acaba hoje mas ela tem a certeza que entre o momento em que escreve isto e a hora do fecho da repartição das finanças ainda vai receber muitas outras ofertas de dinheiro. entre as quais, no conforto do lar, vai poder escolher livremente a opção que melhor lhe convier para não ficar individada. junto do fisco naturalmente.

isto não é publicidade

16.10.08

obrigada octávio teixeira

abomino o modo como "eles" nos últimos anos me têm vindo progressivamente a transformar numa "família". é claro que a minha perene situação de endividamento também não ajuda...

foi neste contexto de prolongada resistência individual que hoje regozijei ao ouvir o octávio teixeira a falar em "bancos, pequenas e médias empresas, e cidadãos".

irónico serem os partidários do "colectivismo" a devolver-me a qualidade de "indivíduo" que me tem vindo a ser roubada pelos partidarios do "individualismo".

a luta continua.

13.10.08

toysare (not what they used to be)

não me lembro se já em criança detestava brinquedos. a verdade é que não os tinha - o império do brinquedo (ou da criança) ainda estava longe - para além de umas três ou quatro bonecas que os meus pais me tinham trazido de sevilha. livros também eram poucos e jogos nenhuns. em contrapartida, a grande gaveta da cómodoa urbana, na sala da casa de são joão, estava cheia de recortes de revistas da minha mãe: homens, mulheres, crianças com os quais tinha recreado famílias, escolas, hospitais, tudo o que a imaginação me permitia.
lembro-me de dar alguns brinquedos aos meus filhos: um combóio comprado em ayamonte a um, uma boneca com sardas a outra, e nada à terceira por lhe ter comprado muita coisa. a grande maioria eram brinquedos comprados em "ferros velhos" (feira da ladra e saraiva de carvalho sobretudo). no entanto e apenas no caso dos mais velhos, tendo em atenção os presentes recebidos de amigos e parentes, a gaveta de uma cómoda já não chegava. daí que eu já tivesse alguma experiência do que é o monte de sucata em que se transformam os brinquedos quando colocados à toa, muitos desmontados, partidos ou mutilados, nos quartos das crianças. mas em minha casa houve sempre um quintal, onde havia uma nespereira - da qual todos cairam pelo menos uma vez - um cão, um gato, muitas rãs, cadáveres de pássaros que caiam dos ninhos, além, naturalmente dos paus e pedras de todos os tamanhos e feitios.
com os meus netos a situação tornou-se, aos meus olhos, verdadeiramente obscena: o quintal desapareceu, ou não é usado como tal, e às crianças foram impingidos brinquedos coloridos, higiénicos, seguros e apropriados às idades (!). na categoria dos brinquedos passou a entrar o livro infantil (não é por acaso que eles são arrumados nos quartos delas). os brinquedos já não se amontoam num um monte de tralha, agora são agora usados para "decorar" os quartos das crianças onde invadem todo o espaço útil (e indispensável para se respirar/pensar): enchem as prateleiras que cobrem as paredes e os sacos verticais que pendem tecto; atravancam o chão e as mesas; e tudo destila o ar tóxico do dinheiro e do consumo e das marcas - toysareus, imaginarium, etc., nomes das lojas onde mais detesto entrar.
hoje é o dia de anos de um dos meus netos, por acaso o único que facilmente se confunde com o meu filho (o pai dele) na mesma idade. filho a quem comprei, no dia em que ele fez os 3 anos que este faz, no mercado de faro, um boneco de madeira destes com rodas que mexem à medida que a criança o puxa ou empurra; e que o entusiasmou de tal maneira que ele foi do mercado até casa a pedir-me para olhar o que se passava atrás de nós repetindo "olhi! olhi!", palavra que até hoje ficou a designar esse tipo de brinquedos.
há semanas que busco em vão um brinquedo que eu gostasse de lhe dar e que ele gostasse de receber. teria adorado dar-lhe um olhi-olhi mas os únicos que conheço são dos brinquedos de madeira a imitar antigos que também me irritam. nos poucos ferros velhos que resistem, de novo a rua do salitre e ainda a saraiva de carvalho, nada encontrei.
assim, vou agora partir em demanda de um brinquedo (!) no toysareus (!!!) que acabo de saber fica situado no colombo (!!!!!).

chat

eu comentei: "hoje estás virada para a conversa." ao que eu respondi: "não tenho a telefonia aberta..."
então eu confessei: "que bom! estava mesmo com saudades de falar contigo." o que me obrigou a desculpar-me dizendo: "também eu... mas sabes é a corrida em que tenho vivido." eu não disse mais nada sobre o assunto mas a conversa continuou animada.