13.2.10

confissão pública

"ir ao facebook"* é uma experiência sempre diferente mas que nunca deixa de ser perplexante.
das primeiras vezes recordo a sensação de ter entrado numa sala apinhada de pessoas desconhecidas, todas a falarem ao mesmo tempo, um bruabá medonho e completamente irrelevante no qual não me apeteceu participar nem sequer entrar para escutar fosse o que fosse.
depois passei por uma fase em que me interessou ver o que é que lá se fazia/dizia e como é que se fazia/dizia mas a instabilidade febril do que se vê-lê quando se entra - na verdade, a falta de controlo sobre o processo de mudança do mundo, no caso o do FB -  afastou-me de lá receosa do que não percebia como mudava nem porquê.
admitida a diferença radical entre o FB e o parado-controlado ambiente de trabalho do blog, atrevi-me então a entrar e aceitei escrever nas paredes, responder a recados, até colocar fotos. percebi como se "aceitavam" amigos e também cheguei a pedir um ao outro. o que, à la longue, acabou por mudar a face da coisa: agora, assim que entro só vejo caras conhecidas, a maioria delas bonitas e/ou favorecidas pela fotografia, quase sempre a sorrir como se fosse para mim. simpático e acolhedor.**
seguiu-se a fase do ataque por parte da farmville  e, em menor grau, de uns aquários - páginas e páginas de adultos, como eu, todos meus amigos, repito, a dizerem, sem destinatário aparente, o que me pareciam ser umas inanidades profundas (se é que tal coisa pode descer abaixo da sua própria superfície sem espessura) sobre as suas alegadas actividades agrícolas ou pecuárias.
segue-se depois um curto intervalo, que corresponde à descoberta de alguns amigos "perdidos", e que salva o FB do total descrédito em que caíra aos meus olhos, dando início a uma nova tentativa, deixa lá ver se acho graça a isto; período durante a qual soube que uma amiga perdida estava longe e outra estava perto mas nunca soube o que havia de fazer com estas informações, para além de acknowledgar os factos. é nesta fase que percebo que toda a gente que eu conheço, mesmo os que (não) conheço só de vista, ou só de nome, estão no FB. não percebi ainda bem o que é que lá estão a fazer mas estão, talvez como eu, apenas a marcar presença, ou talvez para não perderem-perdermos a face, na verdadeira acepção da palavra.
em menos de um ano o "meu" FB passou da central station, em nova york num escuro dia de inverno, para a meia praia, ao meio dia, a meio de agosto. não aparece uma cara que eu não reconheça, todas me conhecem a mim embora possam não se conhecer entre si, estão todos a tagarelar sem eu perceber muito bem com quem, oiço bocas e mando bitaites, um texto infindável que se desenrola no vazio, isto é fora de qualquer contexto susceptível de he dar um sentido ou uma direcção. páro num toldo para me sentar e dizer olá a alguém que me parece lá estar abrigada, e logo do toldo de baixo me salta uma pessoa que não vejo há muitos anos, efusiva e a querer saber tudo ao mesmo tempo. enquanto que converso com as duas google, num outro tab, como é que fico invisível no FB?, há um botão verde cá em baixo, cica para te pores off line, não encontro o botão, mas aponta o telefone da minha mãe, leio com pronúncia de tagalog, gostava era que você restaurasse, escrevo eu, as conversas começam a girar em torno umas das outras, a anular-se umas às outras, o ruído cresce até se tornar insuportável, a minha cabeça vai explodir, as flores, o mundo, as obras... são tiros, bala tracejante, a luz impiedosa do sol a pique, fujo eu é que disparada, a areia estupidamente fina a escaldar-me os pés, esta praia não tem rochas, há para o mar, mas à beira de água é só gente conhecida a conversar entre si, geralmente a dois, quase todos primos, simpáticos, todos me conhecem de pequena, eu conheço todos de pequena, mas agora já sou grande, eles também, como aqui, como ali, no coração da luz, the horror!  

o perigo das flores

há flores que mal caiem em cima de nós tombam imediatamente para o chão ponto final há outras que nos ficam coladas às roupas e vírgula quanto mais nos tentamos desembaraçar delas vírgula mais a sua fragrância floral se entranha na nossa pele ponto final parágrafo

12.2.10

paliçada




ao escrever 'eu' o eu deixa logo de ser (m)eu.

dia sem sol

o meu prazer de ver é um praver.

11.2.10

what's in a name?

- a mãe diga que é minha mãe que ele gosta,  ele é alentejano... tem sempre muito trabalho...
pode ser que desse modo vá mais depressa.
assim fiz.
- olhe bom dia, eu sou a mãe da joana freitas (nome fictício) ...
- ah, a mulher do sr. manuel freitas (nome fictício), o filho da sra. d. ...
- luísa? (nome fictício)...
- pois, da sra. d. luísa freitas. luísa freitas bettencourt (nome fictício)...
aprazado o dia e a hora para o arranjo da máquina de lavar:
- fica então combinado para sábado, está bem sr. antónio lopes (nome fictício)?
- pode contar comigo. e qual é o nome da senhora?
- ana seixas (nome fictício).
- ah é um nome muito relevante... mesmo relevante...
- relevante?
- sim é um nome muito importante... de muito peso, relevante!
- e eu só lhe disse o primeiro o o último...
- seixas é um nome muito relevante...
- se calhar o sr. conheceu foi um avô meu que foi um escultor conhecido, seixas da silva (nome fictício)?
- talvez... seixas da silva...deixe lá ver...
- mas então posso é contar consigo no sábado? e depois aproveita para ver também o frigorífico, não é?
- sim sra. d. ana seixas, no sábado vimos isso tudo.

na boca de um suicida,

Ni una sola estrella quedará en la noche.
La noche no quedará.
Moriré y, conmigo, el peso
del universo intolerable.
Borraré las pirámides, los medallones,
los continentes y las caras.
Borraré el pasado acumulado.
Haré polvo de la historia, polvo del polvo.
Ahora estoy mirando el atardecer final.
Estoy oyendo el último pájaro.
Lego nada a nadie.
Jorge-Luis Borges

No stars in the sky.
No night.
Me dead and the sum
of the hateful universe.
Pyramids, medals,
continents, faces, gone.
The past, gone.
Dust is history, dust of dust.
The last sundown.
Last bird.
I leave nothing to no-one.
tradução de Christopher Mulrooney

na boca de uma andorinha,

o provérbio deixa de ser estúpido ao admitir que é por morrer a andorinha que acaba a primavera.

10.2.10

mais concordâncias enfáticas

mas desta vez com os posts completos, sobretudo com aquilo que "boldo"
Forma e conteúdo: É a luta do momento: forma e conteúdo. João Pinto e Castro diz — e diz bem — que "uma das ideias básicas do Estado de Direito é que não há factos com relevância jurídica fora dos procedimentos aceites para os apurar". Se isto permite condenar a divulgação de escutas, não permite ignorar o óbvio: a divulgação existiu e agora não há como não lidar com o facto da sua divulgação. O formalista rejeita discutir o conteúdo por causa do modo como ele surgiu, isto é, lida com a divulgação recusando-se a comentar o que é divulgado. Mas esta posição é contraditória: não podemos responder a uma realidade negando a sua existência. Insistir na pureza da forma é um suicídio político.
Factos e interpretações: Neste debate entre Vera Jardim e Morais Sarmento temos duas posições que valorizam o que noticiou o Sol. Mas, lá está, há valorizar e valorizar. Enquanto que Vera Jardim reconhece o óbvio — este ambiente é insustentável e é urgente que se faça luz sobre isto para que estas questões se esclareçam — e se cinge aos factos, Morais Sarmento vai para além dos factos conhecidos e tenta transformar aquilo que é sua interpretação num veredicto definitivo sobre a culpabilidade do primeiro-ministro. Morais Sarmento já sabe o que aconteceu, e por isso acusa: Sócrates faz o mesmo que Chavez e Berlusconi. Quem fala assim não tem o direito de dizer que fala em nome do Estado de Direito.

9.2.10

concordo enfaticamente

com esta análise na qual se afirma que "a opinião, em Portugal, se deixou barricar entre os que são contra o eng. Sócrates (e usam tudo para o atacar) e os que o defendem a todo o custo (e usam tudo para o justificar)".
e confesso discretamente as dificuldades morais e políticas (se é que não são exactamente as mesmas) que tenho sentido, a nível pessoal e subjectivo, em escapar a este absurdo clima maniqueísta fomentado pela gritaria barata dos Media e pela silenciosa transformação, no parlamento, dos "partidos da oposição" na Oposição.

help

maia? porto? mac com safari?

uma cõ tradição viva

apesar de - e certamente devido ao meu horror por todas as formas de omnipotência - desgostar que os vivos se arroguem o direito de determinar o que “deve” acontecer, depois e em consequência da sua morte (da distribuição dos bens e dos males, * passando pelo tratamento e posterior descartamento dos restos mortais,** até ao planeamento e gestão da cerimónia fúnebre***) acontece-me sonhar com a maravilha que seria a minha despedida do mundo – oh diabo, isto é perspectiva de vivo, nesse momento será só o “mundo” a despedir-se de “mim” - se ela fosse celebrada ao som leve, fresco e borbulhante, absolutamente cristalino, das gargalhadas da minha neta mimi.

* no entanto agrada-me a ideia de deixar previamente pago o funeral.
** mas prefiro o processo lento da decomposição ao momento fulgurante da incineração. 
*** ainda que preferisse ser eu a única decoradora da minha última sala de visitas. 

7.2.10

reposição da ordem

a esplanada do jardim da estrela reabriu: lá fora são apenas as clássicas mesas e cadeiras de metal, verde-escuras e soltas umas das outras; dentro, é a madeira, de cores e formas diferentes, num estilo sem estilo, que mistura country, alternativo, vintage, veggie e, creio, é o responsável pelo ligeiro ar de desmazelo do novo espaço, apanágio de qualquer sala realmente confortável; há revistas num carrinho, sopa e pratos relativamente baratos e muito possíveis. mas o teste final só acontecerá com o pequeno almoço, no próximo domingo.

o fazer do fazer

eu faço como a minha mãe fazia e a mãe dela recomendava às filhas, e às filhas das filhas, que fizessem no que fizessem. como é de fazer entre nós, pequenas mulheres de grandes sabedorias.