19.9.09

realpolitik

neste contexto surreal (ou seja, marcado pela intensa irracionalidade que é a realidade dos sonhos), o texto real  (isto é,  aquele que possui existência objectiva e independente), só não parece irreal (quer dizer, aquilo a que falta realidade ou substância), à moderna consciência hiperreal (que se caracteriza pela inabilidade em distinguir a realidade da fantasia).

18.9.09

em busca do sobrenatural

hoje foram vistas duas carpas no telhado do palácio de belém. os palácios são locais para guardar segredos e os peixes, enquanto criaturas secretivas, pertencem à mesma categoria dos segredos. ora, como os peixes são o máximo do yin e os telhados o máximo do yang,  o aparecimento de peixes no telhado simboliza a grande calamidade que é a destruição do supremo yang pelo extremo yin. jing fang, na sua 'explicação das anomalias', do yi, considera que “peixes saindo da água para se misturarem nos caminhos dos homens é sinal de que os segredos vão ser brevemente destelhados.”

pirate bay


levante: o eco do eco

embora o mar esteja, como sempre, na parte da frente da casa, é agora do lado esquerdo que, nas noites de sueste, ouço tanto as explosões das ondas  atirando-se, sem ritmo, contra as rochas da praia, como a rouquidão da ventania acordando-me, com fragor, para as memórias mais antigas da infância.

17.9.09

habitar ou ser habitada?

comecei por me apropriar desta casa e acabo apropriada por ela. o que era inevitável dada a misteriosa força transformadora dessa "coisa" a que chamamos espaço. afinal sempre fui o que cada casa em que vivi era. e as saudades que tenho delas não são senão as saudades que tenho de mim própria.

16.9.09

a bom entendedor dois clics bastam





adenda ao post anterior


é justo o protesto dos amigos (que "apesar de intelectuais não são sinólogos") por não poderem ouvir nem entender o título do post sobre os dois filmes.
assim, além de agradecer o vosso interesse, peço as minhas desculpas pelo pecado que agora tento reparar.

como em chinês a unidade semântica coincide com a unidade silábica, este verso, de um poema de Du Fu (712–770), pode ser apresentado assim (à la Hawkes - esta é para os amigos que apesar de intelectuais também são alunos):

破 山 河 在

  g       pò        shān       hé         zài

país(es)    ruir   montanha(s)-rio(s)    existir

os países perecem as montanhas e os rios permanecem


e ainda falta o jogo de tons divertido neste verso. podem imaginá-lo, ou até ensai´-lo, olhando para a sua anotação acima: em guó a voz está baixa e sobe, lentamente em entoação de pergunta e, do ponto mais alto onde chegou (o ó) desce logo, fortíssima e imperativa, até abaixo (ò) explodindo o p na dicção do ; breve paragem e é a tensão repousada em shān (cuja vogal nasal é aberta como no porto) porque a sílaba é dita na horizontal, sempre lá em cima (como a nota dó) e depois de uma paragem imperceptível (mas fisicamente necessária pois a voz que está em cima tem agora de começar nova sílaba a partir de baixo) volta a subir docemente, aspirando o h de hé, para logo, sem interrupção, voltar a descer  (sempre um pouco abrupta ou assertiva) no zàicujo z soa a dz.

国破山河在

dos azuis profundos e dourados desdobrados, o mundo passou agora para os brilhos e transparências do cinzento prateado. no mais perfeito alheamento de quaisquer humanas eleições e, for that matter, de todas as suas outras preocupações ou consternações. como se fossem dois filmes rodando a velocidades diferente e sem nunca se tocarem entre si. o que nos permite a nós, que somos part and parcel de ambos, ir experimentando ora o entusiasmo exaltado da rebelião ora as doçuras maiores de toda a aceitação.