18.11.11

18-11

reconheço o barulho da chuva e o brilho intermitente do alcatrão. e pouco mais. este ano.

17.11.11

o inverno do nosso contentamento

a senhora, viúva e bem entrada nos 70 anos, sem filhos nem netos para amar ou tratar, não se conseguia decidir sobre o tipo de "coisa" com que sonhava preencher a sua vida. desde há alguns que se debatia entre o desejo de possuir um cão, a perspectiva de arranjar um marido, a fantasia de adoptar uma crianca abandonada ou mesmo, porque não, a aceitaçao de uma pessoa velha sem família; até a hipótese de se afeiçoar a um hamster lhe parecia plausível - o que era urgente, sentia cada vez com mais premência, era colocar uma vida no centro da sua vida, um ser vivo e sentiente cuja saúde e bem estar fossem da sua inteira e única responsabilidade. uma manhã destas de chuva, reparou, ao acordar, que diferentemente do que se vinha passando diariamente, há vários anos, a sua mente estava completamente vazia - a inexplicável hesitação entre os itens do seu catálogo secreto, não estava lá dentro. nem cá fora. ao encetar o seu dia, sentiu-se vagamente sozinha e, já a caminho da tarde, percebeu que a solidão tinha vindo a aumentar preenchendo agora uma parte substancial da sua mente. ainda havia uma claridade nos vidros das janelas quando a mulher percebeu que iria entrar na noite com a mente absolutamente atulhada de solidão. lembrando-se da insegurança permanente que lhe vinha da inexplicável hesitação entre o hamster, o marido, o cão, @ velh@, e a criança, a solidão pareceu-lhe um terreno seguro, uma realidade consistente, um ponto firme de apoio. já na cama, deitou algumas lágrimas, que não lhe souberam mal, antes de adormecer, descansada, na companhia da sua solidão. nessa noite sonhou que, sem saber como nem porquê, tinha colocado a sua vida no centro da sua vida, tomando, a seu único e exclusivo cargo, a saúde e o bem estar do corpo vivo e sentiente que era o seu.