15.8.07

heroína desconhecida

o corpo, dobrado para a frente, um pouco acima da cinntura, em verdadeiro ângulo recto, só vi a cara deste corpo quando, depois de lhe depositar os sacos à porta de casa, ele, com esforço evidente, endireitou as costas para me olhar/perguntar: "quantos anos é que a senhora me dá?" era uma cara redonda, de pele sem uma ruga, coradinha e sorridente mas de olhos muito tristes. uma cara linda. hesitei antes de arriscar completamente ao acaso: "sessenta e nove, setenta?" o sorriso esbateu-se um pouco ao responder-me, sem modéstia ou orgulho:"oitenta e oito minha rica senhora, oitenta e oito". quando desci do primeiro andar direito onde ela mora, e me voltei a cruzar com ela - que me esperava no hall do prédio, para fechar a porta - o corpo já se tinha voltado a dobrar ao meio. pelo que não lhe voltei a ver a cara. nem ela a minha. ao descer ligeira e rápida a rua onde mora a heroína desconhecida, sentia-me espantada por ela "só" lá ter caído 6 vezes.