8.6.07

SOS reforma

contando pelos dedos, contando pela calculadora, recontando tudo de novo, com a calculadora do outro computador e com os dedos da outra mão, não havia dúvida: ao todo eram 36 os anos de descontos, X de um lado e Y do outro. como, desde o passado 28 de maio, a idade tinha deixado de constituir um problema, a coisa parecia bem encaminhada senão mesmo resolvida. com o dossier que nos últimos tempos tenho vindo, tant bien que mal, a atamancar, apertado debaixo do braço, dirijo-me à caixa das aposentações. poucas pessoas, cadeiras vazias, pouca espera e, na minha cabeça, os muitos elogios ouvidos a uma amiga: "vai lá que elas são muito prestáveis e simpáticas e sabem informar-te de tudo". ligeira, respondo à chamada do número da senha. era um homem, nem novo nem velho, ar muito mal-disposto e que não me mandou sentar (o que eu fiz, mesmo apesar da falta de convite). começo a explicar que X anos como jornalista, Y como funcionária pública, a idade... "a senhora não se pode reformar com nada disso"! arremesa-me o sujeito à cara, interrompendo o meu dicurso sem qualquer cerimónia. mas... e agora? ...então ... como é que posso? ensaio vários modos de fazer sempre a mesma pergunta: quando é que me posso reformar se trabalho desde os 18 anos e tenho os 61 anos este ano exigidos por lei? fica claro que não posso senão aos 70 anos, isto porque, "os jornalistas, tal como os advogados, não têm acesso à pensão unificada", o que, em termos práticos, significa que para ali, para a caixa dele, tendo eu apenas 18 anos de "serviço", só consigo pedir a reforma no limite dos limites e mesmo assim com todas as penalizações inerentes a não ter o tempo completo. "então e o que faço a estes anos de descontos para os jornalistas?". não sabia, isso era lá com eles, mas que havia de receber uma pensão quando chegasse a altura. com as pernas como se fossem duas colunas de mármore a andarem pela primeira nas suas vidas, dirigi-me para a caixa dos jornalistas onde o funcionário consultado me disse nunca ter ouvido falar em tal versão. por mais que o tentasse espremer não me disse que o outro estava errado mas também não garantiu estar ele certo. apenas que lhe parecia que "contavam" (os anos de jornalista para a pensão unificada). o mármore das pernas ganhou um ligeiro calor e meti-me ao caminho de outra caixa, esta agora das pensões. pouca gente, pouca espera e a senhora que me calhou em senha, amável e prestável. a história, na minha boca já me parecia pastilha elástica, meia presa aos dentes, de tanto ser mastigada. ouviu-me com atenção e disse-me que não, que não era assim, que se eu quisesse até me fazia uma "simulação". eficiente, fez algumas perguntas certeiras, escreveu rapidamente num computador, e em menos de nada me estava a dar umas folhas de papel com listas de datas e números. "está a ver, está tudo aqui". insisti uma primeira vez: "desculpe-me pedir-lhe isto mas como o funcionário da outra caixa me disse que estivesse ou não, onde fosse, não interessava porque não pudia juntar, por ser da caixa dos jornalistas, a senhora importa-se de confirmar isso com alguém ... só para eu ter a certeza?" a conversa telefónica com uma colega, tida ao meu lado, veio no mesmo sentido: nenhuma delas sabia de nenhuma incompatibilidade como a que eu referia. "mas não sou eu, é a caixa das aposentações...e eles hão-de saber". nova conversa, novo recitativo da ladainha e segunda insistência minha: " e se eu pudesse falar com o responsável por estes serviços, para ter efectivamente a certeza, mais uma vez lhe peço desculpa, não é estar a pô-la em causa... mas o outro senhor parecia tanto saber o que estava a dizer." a pobre da mulher não desatou aos gritos comigo, nem sequer me fez má cara. limitou-se a, pachorrentamente, fazer outro telefonema, suponho que para outra pessoa, que lhe terá dito o mesmo que a primeira. "está a ver, não há-de ser nada do que lhe disseram. até lhe vou pôr aqui uns carimbos e a senhora volta lá com estes papéis e diz que aqui lhe disseram que a caixa dos jornalistas - dos advogados não sei - está na segurança social". suspiro: "mas e se ele me continuar a dizer que não"? a boa-disposição da funcionária permanece intacta: "volte lá que alguém lhe há-de dizer que sim, então não leva aí os papéis consigo?" ia-me mesmo a sair um "mas...", mas consegui controlar-me: "então boa-tarde e muito obrigada pela sua amabilidade e paciência. vou então voltar lá". saí para a rua de entre-campos, onde fiquei, muito tempo, parada em frente do antigo número 69 a olhar para o que já lá não estava. entretanto, já passaram quatro quartas-feiras e ainda lá não voltei. tenho medo. se por acaso passar por este queixume, algum jornalista (ou advogado) mais expedito em viver e mais esclarecido em jurisprudência, peço-lhe, encarecidamente, umas dicas...