9.6.07

formas de tratamento

voltei a confirmar, muito recentemente, que sempre que falo, espontaneamente com um morto, o trato por tu. isto, independentemente da sua idade ou sexo, da nossa relação, da forma por que o tratava em vida. não encontro explicação para o facto que apenas descobri depois da morte do meu pai, há meia dúzia de anos atrás. a questão faz-me ainda mais confusão porque, tendo crescido a ser tratada por você, no espaço da família, reproduzi o modelo, mais ou menos inconscientemente, ao fazer a minha própria família. mais, o que me leva a escolher entre 'tu' e 'você', sobretudo com crianças ou gente muito novinha, é a ternura e a proximidade. só que, ao contrário do que se diz ser a norma no português, um grau maior de intimidade e ternura pede-me logo o 'você' ou leva-me a mudar do 'tu' para o 'você'. afinal em que é que os mortos são diferentes dos vivos? serão eles de algum modo contaminados pelo que será a figura de deus? a verdade é que, nas raras conversas que tive com deus, também o tratei por 'tu'. como de resto creio fazerem todos os membros da tribo onde cresci sempre que falam com ele. mas também é verdade que não faço ideia se deus entra na categoria dos mortos ou na dos vivos. perante as questões fundamentais da vida e da morte, que importância tem a diferença no tratamento que dou às pessoas consoante elas estão vivas ou mortas? nenhuma, está visto, repito para mim própria. mas o mini mistério não deixa de me perseguir, tanto ou mais quanto os macro mistérios da vida e da morte.