11.3.08

o mundo às avessas

sempre duvidei do (bom) gosto da conhecida frase da simone de beauvoir sobre as mulheres não nascerem mulheres mas tornarem-se mulheres.
mesmo tendo em conta a data em que ela foi escrita - o que é dizer, toda a teorização posteriormente feita para distinguir as noções de sexo e género - a frase, ao deixar de fora os homens, ela parecia-me ser mais capaz de confundir do que de distinguir: será que os homens, diferentemente das mulheres, já nascem homens? será que ao processo cultural, pelo qual as mulheres se tornam mulheres, não corresponde um processo semelhante através do qual os homens se tornam homens? estarão os homens do lado da natureza e das essências e as mulheres do lado da cultura e da história? e como é que uma identidade sexual se poderia definir sem ser por oposição a outra?
a questão interessa-me não pela correcção da frase em si (cada um sabe de si, isto é, do que escreve e como escreve, a sb não é excepção, coitada a senhora até já não está cá para se defender), mas pela modo como, sem eu perceber como, ela saiu do uso mais ou menos restrito dos estudos sociais e culturais, ou dos movimentos feministas, para se implantar entre o grande público feminino.
é na sua utilização descontextualizada, como 'máxima' por parte do chamado senso comum, no caso o das mulheres, que a frase me parece perigosa e muito capaz de ter efeitos mais negativos do que positivos. isto no que toca à tomada de consciência, por parte das pessoas (que ela de resto pretende acordar), sobre o que está verdadeiramente em jogo na relação de poder entre os sexos.
vem isto a propósito do simpático presente que recebi, por ocasião do dia internacional da mulher, de uma empresa de limpezas domésticas (cujas empregadas encarregues das actividades do 'limpar' a casa são todas de mulheres) - uma fantástica rosa cor-de-rosa acompanhada de um cartão no qual se lê: "não se nasce mulher, torna-se. simone de beauvoir".