1.1.08

a noite do dia

entro verdadeiramente em estado de graça quando, cedo ou tarde na noite do dia, as luzes se apagam e ao desprazer agitado do esforço de ver se sucede o repousado prazer de escutar: acaba o trabalho de tentar agarrar as imagens do mundo (uma de cada vez se possível) por entre a multiplicidade de teias de aranha, sombras de nuvens, leves traços de chuva, moscas de tamanhos e formas diferentes, que nunca pára de dançar no meu olhar; e começa o refinado descanso de estar sentada a escutar o mundo.
as mais das vezes faço-o com a ajuda de uma telefonia ligada mas tambem não é raro fazê-lo com a telefonia desligada. das duas maneiras a escuta, mesmo a mais atenta e envolvida, nunca é penosa. sem vozes nem ruídos prévios e anteriores a si próprio, o processo de escutar é fácil e plácido.
à noite, o mundo deixa finalmente de se fazer caro e dificil, pára de me afastar, confundir e violentar; na escuridão, sentada a escutar, não sou eu a lutar pelo mundo, é ele que se me oferece sem exigir nada em troca.