o facto de os livros de telefones e moradas serem agora digitais facilitou a remoção dos "contactos" desactivados - na maioria dos casos pelo desaparecimento da pessoa-do-contacto, noutros pelo desaparecimento da relação com ela; o que, naturalmente, aumentou a eficácia da sua função mais imediata, enquanto mera lista de números e nomes de ruas "úteis". mas reduziu, de forma quase brutal, a sua função complementar de fonte, mais que todas fidedigna, para a reconstrução histórica da nossa pessoal; escrito a lápis ou a tinta, nenhum livro de telefones e moradas nos permite aldrabrar a nossa própria narrativa: quem passou por nós ficou lá inscrito (ainda que riscado ou apagado), quem não ficou inscrito é porque não passou.
é por isso que guardo com cuidado o velho livro de telefones e moradas de capa de carneira apesar de há uns anos ter deixado de usar (isto é, de actualizar a informação nele contida). nele ainda posso encontrar os nomes de todas aquelas e de todos aqueles cuja morte (desculpa ms por teres sido o primeiro), ou afastamento afectivo (quase sempre por desleixo meu, os amigos são como os caminhos, se não os percorremos, enchem-se de mato e acabam por desaparecer) apaguei do computador ou não copiei para o i-phone. a ele acabarei por recorrer, mais tarde ou mais cedo, para fazer a sério o que até agora apenas tenho feito a brincar, só de cabeça, durante as insónias, para ver se adormeço: contar os mortos da minha vida e ver qual a sua proporção em relação aos vivos.
4 years ago