2.7.07

tudo depende

tenho muita dificuldade em responder a perguntas de alternativa. é uma incapacidade pessoal que, segundo os meus filhos, lhes lixou a vida em crianças. frustrava-os que eu respondesse sempre “depende” quando me perguntavam se achava melhor ser-se assim ou assado, fazer isto ou aquilo, estar aqui ou ali, ter isto ou aquilo. com o seu progressivo acesso à maturidade, fui deixando de ser confrontada como este problema a ponto de ter chegado a acreditar que a obrigação de viver pela lógica do sim ou não era um pesadelo (do) passado. estava enganada. recentemente, as perguntas de alternativa voltaram a impor-se no meu dia a dia. e de forma mais perversa já que, sendo feitas por adultos, e visando a resolução prática de importantes questões sociais, políticas e morais, obrigam à escolha efectiva de uma alternativa em detrimento de outra. sem me deixar equacionar as 203 outras que, imagino, poderia imaginar. não me refiro tanto à estúpida moda dos referendos já que esses apenas nos caem em cime de forma pontual. são mais as “votações” de tipo referendário, que diariamente passaram a ser feitas aos leitores dos jornais locais sobre todos os grandes problemas nacionais. sei que não sou legalmente obrigada a votar nelas, nem sequer a responder-lhe, nem mesmo sequer a formar uma opinião própria. mas é como se fosse dada a devastadora conjugação entre a fúria dos media em recolher as opiniões da população e o entusiástico empenho desta em pronunciar-se sobre tudo o que lhe é perguntado. hoje, por exemplo, somos chamados a emitir opinião sobre nada menos do que seis importantes questões sociais. o diário digital quer a gente diga se apoia ou não “a OPA lançada por Berardo sobre o Benfica”; a visão referenda o referendo ao exigir-nos que digamos se “deve haver um referendo nacional para aprovar o próximo tratado europeu”; o público visa mais baixo forçando-nos a dizer se concordamos “com a exoneração da directora do Centro de Saúde de Vieira do Minho”; o diário de noticias, sobe um pouco e pretende que digamos “Onde deverá ser construído o Novo Aeroporto de Lisboa, na Ota se em Alcochete”; o jornal de notícias impõe-nos que ponderemos sobre se devemos ou não ser autorizados a recusar tratamentos que nos prolonguem a vida; o correio da manhã vai ao cúmulo de nos perguntar se “os juízes devem ser responsabilizados pelo atraso das sentenças”. cansado pelo esforço de pensar sobre matérias que o ultrapassam ou culpabilizado por ter respondido ao calhas, é decerto com alívio que o leitor, ao clicar no expresso, encontra no fatídico canto dos referendos, um inofensiva passatempo de "cultura geral". para responder à pergunta, de escolha múltipla (qual é destes nomes próprios - Franz, Christian, Soren e Helmut - o de kierkegaard) basta-lhe fazer, descontraidamente, uma espécie de educated guess ou, ir directamente procurar a resposta a uma qualquer enciclopédia. tudo depende da sua disposição no momento...