16.6.07

fala vs escrita

irrita-me a nossa envergonhada relação com a escrita dos chamados palavrões. porque é que não os escrevemos se os dizemos? como é que qualquer juiz irá julgar o grau de ofensividade das "palavras começadas por 'f', 'd' e 'p'" que o charrua teria proferido a respeito do sócrates? (também me irrita que isto me interesse mas isso é outra questão...). como é que ele, e nós, vamos perceber se se trata de palavrões, e não apenas de palavronas ou até de meras palavrinhas, se não temos a certeza de que palavras se trata. a uma primeira leitura, oiço no 'f', claramente, 'foda-se'. no entanto, em conjunto com o 'd' e o 'p', ocorre-me 'filho da puta'. o que me obriga a voltar atrás para rever a leitura do 'f'. ao mesmo tempo, sinto a fragilidade desta minha leitura crítica pois não tendo grande repertório no que toca a palavrões nada me garante que o 'd' e o 'p' não sejam abreviaturas de terríveis obscenidades. deresto, esta hipótese parece pouco consistente já que dificilmente alguém (mesmo que seja juiz) considerará a preposição 'de' e o substantivo 'filho' como palavrões. na minha opinião, a única vantagem do julgamento de charrua será a de, por um lado, aumentar o conhecimento léxico vernacular do português e, por outro, ajudar a diminuir o fosso que, nas sociedades conservadores, separa a escrita da fala.