10.5.07

a celebração do humano

um filme sobre a liberdade. as pessoas têm a 'capacidade de (re)fazer as suas vida (ainda ou porque elas foram desfeitas). elas têm a agência para decidir por onde querem ir (ainda que movendo-se num terreno devastado onde o caminho se faz sobre pedras). afirmam a agência individual, de, na sua vida amorosa, escolherem a reunião ou a separação. a impiedade do contexto "natural" (construção-destruição) torna ainda mais comovente a piedade do texto "humano". o nome chinês do filme, 三峡好人, Sanxia hao ren, à letra, 'as pessoas boas de Sanxia' ('bondade' que, oralmente, conota a 'heroicidade'), ainda que apontando para essa tensão entre a desumanidade social e a humanidade individual.

um filme sobre o tempo. as duas personagens centrais viajam da província de shanxi (local do seu nascimento e do nascimento da 'velha' civilização chinesa) para sanxia (local do seu (re)nascimento e do (re)nascimento da 'nova' civilização chinesa). a sua viagem no espaço é, simultaneamente, uma viagem no tempo: ao passado (já perdido tanto para as pessoas como para a cultura) e ao futuro (ainda por conquistar pelo indivíduo e pela sociedade). como se para avançar fosse sempre preciso recuar. a vida não sendo senão um processo de continuação e transformação.

um filme sobre a realidade. as formas e a cor dos corpos masculinos (semi-despidos), a espessura e o peso dos prédios urbanos (semi-esventrados), a textura da névoa nas montanhas, a fluidez das águas do rio, são realidades físicas concretas que ocupam espaço(s). espaços separados mas interligados: de modo perene – a solidez da ponte de pedra que liga as duas margens do rio; de forma efémera – a fragilidade do arame através do qual o acrobata junta os telhados de dois prédios. a pintura conhecida por shanshui (montanha-água), omnipresente como cenário e invocada pontualmente, como objecto (na nota de 10 yuan), é usada subvertendo a tradição: parece ser usada para nos fazer ver a insignificância da natureza (as montanhas e as águas) perante o homem: a sua monumental capacidade de trabalhar e de sonhar, ou, noutras palavras, de transformar o mundo e de se transformar a si, num processo de interacção e recriação mútua a que chamamos vida.

um filme a não perder.