27.4.07

ainda o indie

depois da visita à loja chinesa, à saída do consultório, paragem na grãfina (até custa a escrever) para, entre o chá e as torradas meditar na infância (convocada pelo espaço). apesar de, deliberadamente sentada, contra o fengshui (de modo a poder contemplar o número 64), pouco ou nada consegui, sentimentos do presente e, sobretudo, pressentimentos do futuro a calarem e a apagarem os que quer que ainda existissem em mim do passado. mesmo assim, ainda decidi ir pela rua de entre-campos em vez de subir os estados unidos. enorme e delicioso passeio a pé, entre o reconhecimento (casas de mortos-vivos, mostly mas também o talho ainda a mesma cortina encarnada) e a descoberta (inesperada escultura de homenagem aos mortos dos atentados em nova york e washington, simpática mini-manifestação da cdu da junta de frequesia de são joão de deus, e providencial sapataria geox onde comprei umas sandálias). já sentada no cinema, os pés começaram a doer-me. quando as luzes se apagaram ocorreu-me, não só que podia trocar os sapatos calçados pelas sandálias compradas como, sobretudo, que podia aproveitar a ocasião para me livrar, de uma vez por todas, duns sapatos que me torturavam os pés mas de cuja forma (sapatorra) e cor (encarnada)eu era escrava. assim fiz sem que o vizinho da direita, mesmo contíguo, se apercebesse da troca (nem das baldrocas - meter o saco com as coisas chinesas dentro do saco da geox, maior e com melhores pegas), muito menos a vizinha da esquerda, a uma cadeira de intervalo. já com os pés aliviados antevi a sala vazia e um par de sapatos encarnados brilhando debaixo de uma cadeira. entrei no filme, do qual saí com muita dificuldade (partilhada pela jovem realizadora LN encontrada na casa-de-banho)e fui à loja ver o catálogo dos DVDs. estava a lê-lo quando aparece uma voz risonha a dizer que estavam uns sapatos na sala. a notícia criou uma pequena agitação entre a gente nova que me rodeava: "é o evento mais incrivel deste festival..." ouvi mesmo ao meu lado, "é pá estamos há imenso tempo à espera e não voltou ninguém para os buscar", um rapaz um pouco mais longe. o que fazer? até porque, lembrei-me naquela altura, tinha um saco da geox na mão... ainda vim com o catálogo para a sala grande onde me sentei a uma mesa fingindo que o lia. mas o nome geox no saco gritava que os sapatos abandonados eram meus. desci de novo à casa de banho, tranquei a porta, meti o saco comprometedor no cesto dos papéis e voltei a subir, agora com o saco da loja chinesa na mão. a conversa dos sapatos tinha morrido. saí do cinema para uma noite bastante ventosa mas o caminho para casa, nas sandálias azuis, foi muito confortável.