16.5.08

elogio ortográfico

nos meus tempos de faculdade, tive um conhecido e respeitado professor de história da língua que costumava acentuar a necessidade de as futuras gramáticas da língua portuguesa substituirem a lista dos pronomes pessoais de modo a darem efectivamente conta da realidade da língua. assim, em vez dos tradicionais “eu, tu ele, nós, vós eles”, ele propunha a seguite lista “eu, pá, o tipo, a gente, vocês e os gajos”.
nada me ocorre que vá mais ao arrepio do pensamento (talvez mais sentimento, ou melhor ainda, sentimentalismo) dos signatários da petição anti-acordo ortográfico, para quem, uma língua (ou será apenas a "deles"?) não é vista como um processo histórico e particular, caracterizado por uma identidade híbrida e plural, mas como uma "essência" (como dizem no seu manifesto) que lhes competeria defender, contra o tempo e contra o espaço. contra o século.
numa visão transcendente da língua como é esta, não espanta que os falantes apareçam como os seus principais inimigos: o "ponto de aviltamento" a que o uso do portugês, falado e escrito, teria chegado, é, diz-se sem ambiguidade, culpa "dos que a falam e escrevem".
no grupo dos carrascos da língua, não se incluam os signatários nem todos os que contribuir "com o progresso da língua dentro dos padrões da lógica, da instrumentalidade e do bom gosto" (sublinhado é meu)