4.9.07

pedido de explicação: resposta

posso tentar explicar mas não me é fácil. o meu gosto por este programa tem muito que ver, por exemplo, com aquilo que adoro na caixa geral de depósitos: os funcionários têm tempo para os velhos, mesmo para os mais azelhas, e, entre eles, ainda há bastantes que não são novos nem se vestem 'bem' (também não se vestem 'mal', limitam-se a ter aquele simpático ar de quem está, ao mesmo tempo, fora da moda e fora de moda.
desde logo gosto imenso da atitude do próprio entrevistador (a cuja fotografia cheguei graças ao p. da m.). ele para mim, poderia ser um desses amáveis (em sentido literal) funcionários da cgd. confrontado com uma relativa heterogeneidade de ouvintes (quase todos do norte, característica do programa que seria divertido analisar), consegue falar exactamente do mesmo modo com todos, isto é, receber e acolher com a mesma simpatia e respeito: velhos e novos, inteligentes e burros, eruditos e analfabetos, progressistas e reaccionários, ricos e pobres, betos e bimbos, felizes e infelizes, senhoras de cascais e senhoras do laranjeiro, amigos e desconhecidos, gente que não se cala (e que ele tem de travar) como gente que não diz uma para o telefone (por quem ele tem de puxar). não tenho dúvidas que cada um dos seus interlocutores se sente 'único' na relação com ele (do género, 'foi comigo que ele simpatizou'/'é com a minha opinião que ele concorda'.)
depois - depois e antes - são as pessoas em si. solitárias, na sua maioria - ou porque trabalham de noite (a guiar é o mais corrente) ou porque, sendo velhas dormem pouco, doentes dormem mal, infelizes têm insónias, abandonadas remoem o abandono, excitadas não conseguem conciliar o sono. de alguma idade quase todas. a variante do género depende muito do tópico. assim como a classe social. escusado será dizer que, não sendo eu o od há algumas que me enchem as medidas, outras que tolero e outras que quereria matar. mas todas, todas sem excepção, me ensinam sempre alguma coisa sobre a vida e as melhores formas de a viver que é afinal aquilo que, em última instância, procuro à noite na rádio como de dia nos livros, na música, nos amigos, na arte, na própria escrita deste blog. não é o chamado 'sentido da vida' - a questão do onde vimos e do para onde vamos - mas de como fazemos a vida, como funcionam os mecanismos que regulam o seu processo, em grande medida auto-regulado, da interacção humana. que é 'aquilo' através do que, em permanência, nos (re)criamos mutuamente como pessoas.