30.7.07

pedras

sempre me foi difícil explicar aos outros a minha gratidão por aquele recanto da praia. não é um espaço que se descubra em meia dúzia de anos, muito menos numa férias grandes para já não falar na vintena de dias da função pública. para reconstruir este recanto de praia foi-me precisa uma vida. e nada me garante que o reconhecimento esteja já completo. até porque se trata de um espaço naturalmente mutante: as chuvas fazem cair partes da falésia, as marés trazem e levam pedras de vários tamanhos, feitios e texturas. mas enfim isso são pormenores, uma espécie de mão de decorador cuja presença ou ausência não muda a qualidade do espaço (luz e sombra). todos os anos lá está a pedra onde me encosto, de manhã, a ler o jornal. a pedra, no mar, onde me posso deitar sempre que me apetece o sol no corpo mas também os borrifos da água. as pedras cuja disposição proporciona o lugar fresco para a garrafa de água, e a outra onde seco a roupa molhada na travessia entre-praias. e a pequena rocha branca que ora uso como travesseiro ora como marco dos pertences (de pertença), ora como banquinho para olhar o mar. para não falar nas grandes rochas à sombra das quais nado nos dias de grande calor ou às quais subo para me aquecer quando a água está mais fria. são as rochas na areia, que, consoante a sua cor, dimensão, textura e localização me oferecem a sombra quente ou a sombra fria, a total ou parcial exposição ao sol; são as rochas no mar que, mediante o seu posicionamento relativo, balizam a minha progressiva recuperação estival: ao princípio só consigo nadar até à praia do lado, no final já vou até à piedade. mas não se pensa que se trata de uma praia privativa ou onde todos usamos o que nos é ofercido da mesma maneira. este ano, além da repetente família francesa dos meus sonhos (je suis la fille du roi de cette plage), há um jovem britânico, de pele muito branca e cabelo ruivo aos caracóis, que vive abrigado debaixo de um pequeno chapéu de chuva roxo, daqueles que se encolhem praticamente sem cabo, só com um coto pequeno castanho.