sou muitas vezes 'acusada', pelas minhas netas, de lhes 'inventar' (muitos) nomes. é verdade, cada uma dispõe de, pelo menos, uma meia dúzia de 'nominhos' em circulação mais ou menos permanente. eles reflectem, acima de tudo, a minha relação com a nomeada. são portanto textos que variam com os contextos: idades, estados de espírito, personalidades, aspirações, humores e amores. por vezes criam sistemas entre si (as 'raparigas', os 'rapazes', os 'filhos da filha', os filhos do filho', os 'mais pequenos', os 'mais crescidos', os 'do meio', os 'bebés', 'os que ainda não falam' ou os 'que já andam'. há netos com nominhos que são nomes chineses e há os que ainda não têm esse tipo de nominho.
nomear é, admito, um acto de poder sobre o nomeado. não será por acaso que os nominhos dos filhos constituem actualmente listas fechadas ao passo que a nomeação dos netos é cada vez mais produtiva, um processo verdadeiramente em aberto. neste caso, acto de afirmação da posse amorosa do 'objecto' do amor, ou, noutra formulação, de apropriação amorosa do 'outro'. assim, a interrupção do uso de nominhos, inventados e/ou legitimados, individual ou socialmente, traduz um desinvestimento amoroso, uma desistência da fantasia sobre a posse amorosa do outro.
é assim que interpreto o facto de um ex-marido, que nunca, durante a nossa relação, me tratou pelo nominho por que sou socialmente conhecida e tratada, mas sempre e apenas pelos 'seus' nomes 'meus', i.e., todos inventados por ele (num processo nada criativo, no entanto, pois se tratava do mesmo repertório usado com as suas ex mulheres-enquanto-namoradas e, é de notar, com a sua descendência do sexo feminino) ter passado a tratar-me pelo meu 'verdadeiro' nominho afectivo/social - aquele em cuja origem ele não meteu prego nem estopa. entendo a sua nova forma de tratamento menos como uma rejeição do passado e mais como uma aceitação do presente. como a força da realidade do real ou a tranquila neutralidade das coisas serem como são.
o mesmo se passou com uma ex-sogra(sem relação de parentesco com o ex-marido acima mencionado): divorciada do filho deixei de ter direito à versão deturpada do meu nominho afectivo-social através da qual ela se afirmava e afirmava a intimidade da nossa relação. uma estratégia afectiva que de resto ela também usava (usa?) com uma das suas filhas.
por coincidência ou não, o nominho por que essa ex-sogra me baptizou, enquanto- nora, era idêntico àquele com que o meu pai me tinha nomeado, muitos anos antes, decerto em afirmação própria e por oposição ao nominho inventado pela minha mãe (o que pegou socialmente). nome pelo qual ele sempre me tratou e que morreu quando ele morreu.
4 years ago