é um amigo de olhos claros e modos suaves, entre os 40 e os 50 anos, que na juventude foi pescador, em adulto vendedor e distribuidor de marisco (sonhando comprar uma marisqueira) e agora, na meia idade, cultiva, com alegria e sabedoria, uma pequena horta (projectando voltar a estudar para, via novas oportunidades, aprender a ser padeiro assim podendo vir a abrir uma pequena fábrica de pão).
este amigo, como tantos outr@s, é descasado de dois casamentos que no entanto já lhe renderam quatro filhos, dois já grandes e duas ainda pequenas que vivem com ele.
a conversa prolongou-se pela tarde fora e misturou a cultura da terra com a cultura da família: à leitura do gorgulho (revista da associação "colher para semear" da qual ele é sócio activo), juntou-se a troca de informações sobre a germinação de sementes, as vantagens do cultivo das leguminosas (que 'azotam' a terra e eu tenho chícharo) com a partilha de experiências sobre a transformação dos meios-irmãos em todos-irmãos e a expansão da família (estilo família em aberto ou família aberta) com base no que sobra do passado e do que aparece no presente).
é neste contexto que a certa altura ele refere a sua convicção de que é aos mais velhos que compete a transmissão da cultura aos mais novos, fala na preocupação que tem com a educação das filhas e me diz da pena que sente por "nada ter para lhes dar".
é neste contexto que descubro um grande respeito por esta pessoa, com olhos claros de pescador e modos suaves de agricultor, e digo alto (tanto para ela como para mim): "não sei se haverá alguma coisa melhor que se possa transmitir a um filho do que esse seu sentimento de humildade".
a humildade de saber que pouco ou nada se tem para dar a uma pessoa em formação para além da própria noção de humildade pessoal, da importância da redução do ego na construção da vida.