12.12.07

de A a Z

sempre me interessaram nomes e formas de tratamento. mas agora, depois do upgrade de computador e telemóvel, as questões teóricas e práticas em torno desta 'problemática' adquiriram dimensões inesperadas. devido sobretudo ao meu carácter obsessivo, mas também às possibilidades abertas ad eternum pela tecnologia apple. se até agora, os instrumentos de que dispunha (papel e lápis) me obrigavam, em certo momento, a parar de questionar os sistemas de classificação e, melhor ou pior, optar por um deles, neste caso posso mudar de abordagem todas as noites durante a insónia.
tem sido o que tenho vindo a fazer, roeada, à esquerda pelo i-phone e à direito pelo novo mac os leopardo ligados entre si por um ténue fio muito curto no qual tento não me deixar enredar.
como classificar, nos contactos, o sr. jorge (lima) das persianas? não quero inclui-lo em 'p' (de 'persianas) muito menos em 's' (de 'senhor' como faz muito boa gente minha conhecida). mas a verdade é que se o categorizo em 'l' (como faço com todos os não me arranjam nada), sei que da próxima vez que a persiana se avariar não vou encontrar o número de telefone dele. e a d. amélia cabeleireira? neste caso, a questão complica-se quer do ponto de vista teórico - como descrever os mecanismos sociais que possibilitam a A lidar com B, numa base semanal e emocionalmente próxima, apenas lhe conhecendo o nome próprio (situação que, naturalmente, não se verifica no sentido oposto); quer do ponto de vista prático - como arranjar um pretexto para lhe perguntar pelo apelido?
as mesmas questões levantadas pela classificação de 'subordinados' se colocam na classificação dos 'superordinados'. só muda o ponto de vista e, como tal, a atitude do classificador. que, do paternalismo culpabilizado, desliza para o filialismo revoltado. os médicos são um bom exemplo. tal como me indigna que determinado clínico, a quem trato por 'doutor + apelido', me trate pelo meu nome próprio, também me rebelo interiormente por o incluir em 'd' (o que desde logo lhe confere, pelo menos na minha agenda, um estatuto social superior a muitos dos meus amigos que além de licenciados como ele, têm graus académicos superiores como 'mestres', 'doutorados', 'catedráticos', etc). por outro lado não gosto de dissolver entre os outros mortais um tipo do qual depende toda, ou importante parte (os olhos, o juízo, etc) da minha vida. além disso, ao fazê-lo estaria a fazer com ele o que não gosto que ele faça comigo. mas não é só no plano da radical (apetecia dizer ontológica) desigualdade social que lido mal com os números de telefone dos membros desta classe profissional. também as especializações se revelam particularmente difícil à classificação dos seus números de telefone. o do ginecologista, por exemplo, tem andado do 'd' para o 'g' passando pelo 'a'. também não gosto de ter o telefone do otorrino junto com o do oftalmologista, especialidades com estatutos absolutamente diferentes para mim. mas, por mais volta que dê, pela especialidade ou pelo órgão, não consigo sair do 'o' e também não estou disposta a largar o preconceito social que me impede de usar o 'v' para o oftalmologista.
também a classificação tipo páginas amarelas (amigos, canalizadores, carpinteiros, filhos, pedreiros, médicos, parentes, etc.) provou ser pouco eficaz devido sobretudo ao facto de muitas das etiquetas (por exemplo 'parente', 'amigo', 'filho', 'canalizador' e até 'médico') denotarem realidades sobreponíveis entre si. contudo, o pior sistema de classificação que já experimentei foi o geográfico. tendo vivido em alguns sítios diferentes, tal como de resto os meus classificados, tive um dia a veleidade de organizar os meus números de telefone pelo local onde eles estavam instalados. mas, tal como as pessoas mudam mais de cidade do que mudam de profissão ou de relação comigo, também as cidades mudam de país. em 1997, tive de passar os números de telefone de hong kong do 'reino unido' para a 'china' e dois anos depois, a mesma operação (só que em escala muito maior) com os números de telefone de macau.