2.5.09

zha lai nu er

alguém dizia, ontem, depois da exibição deste filme, de zhao ye, que além das duas personagens (o velho mestre e o seu jovem discípulo) a história tinha ainda uma terceira personagem: o combóio.

talvez sim pois o comboio é o fio condutor da narrativa; e talvez não porque no combóio/do combóio, o que é formalmente acentuado, aquilo que rima, visual e ideologicamente, com os outros elementos – é o fumo que ele emana. preto ou branco, cinzento muitas vezes, ora pesado ora leve, elevando-se para o céu em espirais retorcidas ou pairando horizontal como linha suspensa sobre a terra, o fumo que dele se desprende é a prova, intangível mas bem visível, do movimento que o anima.

o fumo (que já noutros filmes chineses destas novas gerações desempenha um papel de destaque) é, em jalainur, mais do que uma personagem, apetece-me dizer que ele é a personagem: ao dizer a combustão, no seu sentido mais pleno, o fumo atravessa todas as personagens. de forma directa, enquanto manifestação exterior do calor interior dos corpos, vizualização do seu sopro vital - o bafo da respiração ou o expelir do fumo do cigarro (fumar é chouyan, literalmente ‘assoprar fumo’). de modo indirecto, nos vapores ligeiros que se soltam das pequenas chaminés domésticas, ou nas nuvens de fumos jorradas pelas grandes chaminés das fábricas.

como tantos outros filmes feitos por cineastas desta geração, jalainur é sobre o trabalho. mas, diferentemente deles, neste filme o trabalho - de que o qi, em todas as suas formas e manifestações, é a representação visual – aparece na sua expressão absoluta e plural: os mundanos trabalhos dos homens revelam-se pelo pó da terra amarela, levantado pela passagem de um camião e pela poeira dourada que flutua na luz mortiça das lâmpadas eléctricas; os cósmicos trabalhos da natureza são revelados pelas nuvens altíssimas ou pela baixa neblina como que pousada sobre, emanada de, os restos da neve.

as questões sobre a leveza e o livre-movimento (pensamento?) do qi, em todas as suas múltiplas acepções, aparecem, de forma irónica, nas imagens do grande plástico transparente que cobre a parte de trás da camioneta. inicialmente uma abóbada invisível que protegia, do frio exterior, o calor dos corpos instalados no seu interior, mal se desprende do suporte, pela força com que sopra o vento, o plástico
volteia prolongadamente, no ar, leve como o fumo e como ele se enrolando sobre si próprio, até acabar por perder leveza e ganhar a forma de nuvem. uma absurda nuvem de plástico que lentamente desce até pousar no solo gelado como água condensada.

acabei por não falar no aspecto mais importante do filme: a sua beleza surpreendente